E perante o espelho sentado de pernas cruzadas ele inspecionava cada centímetro de pele da sua existência, detalhando cada nuance de um corpo voluptuoso e grande que guardava um espirito velho, mexia sua face revelando as linhas de expressão formandas em sua testa numa pele tão jovem, os olhos que guardavam um azul marejado que cintilava, a boca definida e arcada formava um sorriso tímido em meio as expressões espalhafatosas. O menino velho brincava consigo mesmo através de seu reflexo, se permitia um encontro que nunca teve. Sua gata participava da brincadeira de maneira furtiva e caçadora, senhorita carambola esperava o momento certo para dar o bote nas mão grandes porém surpreendentemente delicadas de seu dono, algo o fazia pensar que ela deveria gostar do gosto de seus dedos, e o pensamento de sua gata comendo costelas ao molho barbecue veio em sua mente e ele deu uma risadinha frouxa enquanto olhava a gata balançar o bumbum e a cauda em um jeito precisamente desengonçado – O que foi senhorita carambolas você não vê que estou em uma reunião com meu outro eu, outros eus, eu nenhum, não sei nem mais o que eu sou, mas não vê que esta atrapalhando. A gata olhou fixamente o dono, piscou lentamente deu um leve miado enquanto de maneira pomposa dava as costas esnobando o sermão que diminuía sua ilustre presença no recinto em um mero estorvo. O menino velho retornou seu olhar ao espelho mas agora analisava cada vez mais fundo de si, por baixo do suéter largo podia ver suas cicatrizes, não as que marcavam a pele mas sim aquelas que os outros não podiam ver, uma por uma se lembrava dos machucados feitos ora por outras pessoas ora por si mesmo, elas marcavam a arquitetura de seu construto existencial, pelo menos daquela vida, ele não sabia ao certo mais o que estava vendo, as vezes se confundia em qual vida estava vivendo, que momento da história se estava e em que mundo se encontrava, as vezes o menino velho ficava tão imerso dentro do oceano que era sua cabeça que se perdia completamente na imensidão de seus pensamentos. Era muito difícil ser um espírito velho dentro de um menino tão novo, ele sabia das coisas mesmo não sabendo, maduro demais para sua idade e jovem demais para muita coisa que viveu. O menino velho sabia disso, ele sabia que a ansiedade que o acompanhava vinha de mãos dadas com uma incapacidade que ele não tinha controle, era algo físico muito além do que psíquico.
Encostando a cabeça no espelho como se estivesse abraçando o seu próprio eu, sua própria dualidade e a aceitando como parte do seu ser – Eu quero ser mais que isso, eu sei que posso, mas as vezes parece tudo tão difícil. Lágrimas brotavam de seus olhos e o peito estava pesado, ele ansiava a felicidade dos outros assim como a própria, ansiava amores que se tornassem árvores milenares com raízes profundas, ele ansiava para fazer diferença no mundo, ansiava chegar nas estrelas. Mal sabia ele que que ele era uma própria estrela que brilhava para o mundo, iluminava pessoas e já fazia a diferença, mas nesse momento o menino velho mesmo com toda sua sabedoria herdada não conseguia ver nada além de um menino muito machucado sentado na frente de um espelho e tentando ser alguém melhor.
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O menino velho e o espelho
FantasyE perante o espelho sentado de pernas cruzadas ele inspecionava cada centímetro de pele da sua existência, detalhando cada nuance de um corpo voluptuoso e grande que guardava um espirito velho