Noites varadas de abstinência

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Ferve mais que bala esse meu hype em você

Capítulo único


Ele ouvia hard rock, dos tipos que entopem os ouvidos, o máximo do som não parecia suficiente para aquela cabeça desprovida de qualquer pensamento verdadeiramente filosófico ou criticista.

Ele fumava cigarros, surpreendentemente não dos baratos, American Legend [1] era o que fumegava sua boca, dando a ele a sensualidade que só um bom fumo poderia proporcionar. Os pulmões sofriam, mas ele disfarçava com uma bala de morango bem doce, então estava tudo bem.

Apesar do estilão suspeito aos olhos de terceiros, Mo Guan Shan não era do tipo que você encontrava comprando drogas, apesar de adorar comprar briga dos outros. A adrenalina do errado era o que mantinha aquele corpo vivo, mas era o errado físico, não o psicotrópico.

Quando o vi pela primeira vez no Folks [2], colocando para tocar na jukebox [3], Elvis Presley "Jailhouse Rock" [4], com aquele cigarro de ladinho na boca, a blusa preta curta demais para cintura esguia e a mão firme segurando o taco de sinuca, foi demais para o meu coração judiado. Me vi completamente viciado naquela imagem.

Mo Guan Shan adorava farra, mas farra da boa. Ele tinha amigos barra pesada, mas eram bons amigos – por mais incrível que parecesse. Ele tinha uma vida difícil, pouca família e dinheiro, mas uma mãe incrível. Mo Guan Shan queria ter o mundo, e eu queria que ele fosse o meu.

Parei com tudo. Esgotei meu limite da vida chapada. Eu queria ser bom. Bom o suficiente para merecer tocar a ponta dos dedos naqueles cabelos. Alguém que ele quisesse, porque Mo Guan Shan não era chapado, nem hypado. Mo Guan Shan era de boa, cabeça firme, com ideais fortes. E eu queria que ele olhasse para mim e me quisesse ao lado dele, porque ele gostava das minhas piadas sem graça e tremia nos meus braços de noite; mas como era de se esperar, nessa vida desgraçada que me acompanha como enlaço, a decepção se fez presente naqueles olhos bonitos quando dei o primeiro trago batizado, firme e suado – tão almejado quanto pretencioso.

Estaquei na hora, tentei remediar a cena, implorei perdão, disse que mudaria; rastejei no chão, beijei os pés do meu mundo, mas ele me olhou fechado – trincado, para falar a verdade. Eu sempre quis saber tudo sobre aquela figura irreal, mas sempre ignorei o fato de que Mo Guan Shan era um homem que não dava segundas chances. Infelizmente eu não fui exceção.

Ele me deixou, com o coração vazio e um copo cheio na mão.

O trago veio descomedido, de antemão.

Várias vezes, mais que quatro, pulei para oito. Saltei da pista do trago para o hype da bala, várias, daquelas tão doces que estralam a língua no céu da boca e reviram os olhos de baixo para cima.

Chorei como um cretino nas noites tumultuadas de vômitos e música de baixa qualidade, pensando que Mo Guan Shan nunca ousaria escutar aquela porcaria ruidosa.

Minhas noites varadas de abstinência vieram no primeiro mês de solidão daquele corpo que me deixava doidão. A cabeça queimava, o sistema sofria. Após mais alguns dias tentando formular um pensamento que não fosse pular da ponte, cheguei à conclusão de que Mo Guan Shan era um barato louco demais para hypar só uma vez, e que não importava quantas vezes eu puxasse um trago daquele corpo, a embriaguez nunca chegava.


Notas Finais

Ao glossário:
[1] produzido desde 1980, é produzido pela empresa Grega Karelia; conhecido pela qualidade de tabaco e tradição.
[2] barzinho fictício.
[3] aparelho eletrônico acionado por moedas, dinheiro ou cartão que tem por função tocar músicas escolhidas pelo cliente que estejam em seu catálogo.
[4] hit de Elvis Presley, em 1957, composta por Jerry Leiber e Mike Stoller.

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