Capítulo 2 - Chicago

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Querido Diário, eu acho que estou enlouquecendo.

Mas talvez seja de uma forma boa.
Na última semana, eu fui convidada para o baile. Josh McCarter me convidou. Não que ele me atraia; na verdade, ninguém nessa escola parece ser interessante o suficiente para mim. Mamãe acha que eu estou sendo seletiva demais. Mas como já dizia a Cher: "se eu sou seletiva com meus sapatos, por quê não seria com os garotos?", ou algo assim. As Patricinhas de Beverly Hills também é cultura, sabia?
E por falar em cultura, essa semana a professora pediu que falássemos sobre a nossa cultura. De onde viemos, quem nós realmente somos e o que nos torna especiais.
Bem, eu não sei o que me torna especial.
Gosto de pensar que talvez eu seja uma exceção. Eu sempre escuto as pessoas ao meu redor falando sobre como eu sou bonita, que eu tenho o cabelo perfeito, que eu tenho as unhas mais delicadas. Coisas tão sem sentido, que não tem significado algum. Mas estou feliz quanto a isso, eu acho que ainda sou a mesma garota de antes, assim eu espero ser.

Ah, antes que eu me esqueça...
Encontrei a foto do dia em que eu beijei o Nate. Não sei o que senti em relação a isso, por mais que ele não saiba, também foi o meu primeiro beijo. Eu queria que fosse com ele, e consegui. E esse segredo, vai comigo para o túmulo, sem sombra de dúvidas.

Foi o momento certo. O ônibus freou, fechei o diário e puxei a mochila o mais rápido que consegui. Passei um bom tempo escutando de Zick que eu tinha passos lentos, e talvez ele gostasse de ver a velocidade em que eu estava. Tudo por causa... Dela.

Passei tantos anos da minha vida achando que apenas tinha sido importante pra mim aquele beijo, que nunca me permiti gostar de Diana ou de outra garota que fosse parecida com ela. Mas agora eu sabia. Sabia que ela também tinha gostado, e que não tinha sido apenas um beijo de amigos.

Atravessei a rua e entrei no grande prédio, cumprimentando o porteiro.

Desde que eu tinha voltado para Nova Iorque com a herança do vovô e comprado o apartamento para ficar com minha avó, eu precisei me acostumar novamente com o fato de ter alguém que abrisse a porta ou que simplesmente ajudasse-nos com as compras. Meus anos anteriores não tinham sido os melhores, mas senti que algo estava prestes a mudar.

Assim que entrei em casa, senti o cheiro da carne assada que inundava todo o apartamento. Por mais que fosse arejado, e o cheiro fosse bom, dava para senti-lo do outro lado do corredor. E os vizinhos gostavam até — na maioria das vezes.

— Vó? Cheguei! — gritei, para que ela me escutasse.

— Nathan, querido, como foi a escola? — disse ela, aparecendo. As mãos molhadas indicavam que estava no banheiro ou lavando as roupas. Mesmo com o dinheiro para pagar alguém que realizasse o serviço, ela achava melhor guardar para a minha faculdade. Eu amava essa dedicação dela, mesmo que eu nunca alcançasse a perfeição que ela esperava.

— O mesmo de sempre — tentei desconversar, coçando a nuca. — Estou com um pouco de dor de cabeça, vou descansar no meu quarto. Pode me chamar quando o jantar estiver pronto?

— Tem certeza disso, filho? — perguntou, preocupada. — Você comeu no caminho?

— Sim, tenho sim vó. E não, mas não estava com fome e não estou — mandei um beijo no ar, deixei o sapato no Hall de entrada e fui o mais rápido para o quarto.

Tirei o diário da bolsa e me joguei na cama, tentando encontrar a coragem para violar a privacidade de Diana, ao mesmo tempo em que eu necessitava ler.

Por fim, respirei fundo e comecei a folhear as páginas, me perdendo nos pensamentos dela.

Querido Diário, essa semana foi terrível.

    Sinto muito por não ter escrito em você nos últimos dias. E falando sobre eles, foram bons, no começo. Estava tão envolvida com o baile que nem percebi as horas que passavam. Mamãe estava contente, sabe? Em ver a filha dela saindo com pessoas legais. Eu entendo ela, também gostaria que meus filhos saíssem com boas companhias. Mas não sei se ela estava certa dessa vez — e nem eu.

A forma como ela se comunicava com o diário, era incrível. As palavras, o sentimento, só conseguia sentir vontade de (re)conhecê-la mas ainda.

Mas durou pouco.

    Estou preocupada.
    Eu e John brigamos depois do baile. Não foi uma briga bonita. Estou preocupada que eu possa estar grávida.
    Mas isso seria algo bom, não é? Ter um bebê dentro de mim, gerar uma vida — gerar o meu filho. Mas não sei se estou preparada para aguentar o pranto de uma criança indesejada pelo próprio pai.
    Não agora.

    Diário, eu não queria te contar isso. Mas acho que preciso relatar exatamente como isso aconteceu. Como essa criança que pode estar na minha barriga pode ter sido criada.
     Eu preciso contar para alguém.
    Depois do baile, mesmo com a noite mais bela, algo parecia errado. Até então, tudo com John parecia estar perfeito. Ele tinha me levado para dançar, me apresentou aos amigos dele e me disse que queria que eu fosse pra faculdade de Detroit. Ele ia pra Detroit depois da escola. Mas eu não queria. Não estava pronta, não depois de tudo o que eu tinha passado até aqui. Não depois de todo o esforço feito pelos meus pais para me dar a melhor educação possível. Eu não podia contar, mas estava sendo entrevistada para uma futura bolsa na Academia de Artes de Nova Iorque, como dançarina. Eu ia conseguir. E eu John... Estávamos apenas começando.
     E eu contei a ele. Contei sobre a Academia, mas ele não quis saber. Disse que eu ia prostituir o meu corpo e dançar em boates depois que eu não conseguisse ter futuro como bailarina. Que eu não tinha talento e nem o corpo ideal. Que eu estava gorda demais, como se fosse um problema. Que eu estava com o rosto muito redondo, que eu estava feia e que só tinha ido comigo aquela noite porque meus amigos haviam implorado, dizendo que eu estava apaixonada por ele em segredo. Fazia um bom tempo que eu não me relacionava com ninguém, e não acreditei nas palavras que ele estava me dizendo.
    Diário, quando eu conversei com ele sobre ir para Detroit, quando tentei conversar e contornar, ele me disse que retirava todas as palavras sobre nós termos uma chance juntos. Os cabelos ruivos dele vão ficar pra sempre marcados na minha cabeça, assim como suas seguintes palavras:

"— Você não passa da vadia que vai para a cama comigo nessa noite, depois, estou pronto para te dispensar. E não quero nada de chororô no meu ouvido depois."

    Ele me estuprou. Sob a luz da lua. E não foi romântico, foi doloroso. Foi repugnante, e eu estou com nojo do que ele me fez passar. Mas estou com mais nojo ainda do que eles fizeram.
    Meus próprios amigos gravaram tudo, e amaçaram postar na internet, para que a escola inteira e a Academia visse. Que agora, eu, a abelha rainha, estava na mão deles. Achei que isso nunca aconteceria na vida real, apenas em filmes. Mas diário, nesse momento eu estou me sentindo morta por dentro. E eu sei, que para me sentir viva de novo, preciso ir até lá. Preciso ir até o arranha-céu. Preciso abrir os braços, sentir o vento em meu rosto. Preciso olhar pra baixo, e sentir medo. Olhar para cima, e me sentir pequena. Isso nunca vai apagar o que eu vivi. Mas eu preciso ir até Chicago. E é lá que vai começar a minha nova vida. Eu estou pronta, e se eu precisar cuidar do meu filho, que seja longe de tudo o que eu conheci até agora. E não sei se vou voltar.

A minha respiração ficou ofegante. Senti as lágrimas querendo descer, mas não conseguia. Me senti preso, como nunca antes.

O baile tinha acontecido antes das férias do final do ano letivo. Ela estava lá, em Chicago. Ao mesmo tempo em que eu estava resolvendo as coisas com a minha avó, resolvendo a minha vida.

Ela tinha sido estuprada, magoada, exposta. Ela estava longe, inalcançável. Eu não sabia se ela estava viva, mas eu sabia que para descobrir sobre ela, eu precisava refazer os seus últimos passos.

Por mais que fosse loucura, no final de semana eu iria até Chicago.

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⏰ Última atualização: Aug 10, 2020 ⏰

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