Oxum e Iraí

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Maya combinou uma viagem curta com os amigos para Brotas. Precisava mesmo de um tempo do pai e do irmão, e seria bom ficar um final-de-semana sem pensar no estágio no banco e nos relatórios que teria que entregar.

Ultimamente, se sentia pesada. Por vezes olhava pela janela e não sabia ao certo há quanto tempo estava ali. Outras vezes, chorava escondida no chuveiro, seu único momento de privacidade e vazão. Choro sem motivo, mas muito sentido. Maya sabia que não estava normal. Só não sabia o porquê. De alguma forma, a água do chuveiro parecia diferente. Penetrava em cada poro e explodia. Ela saía do chuveiro mais limpa e muito mais aliviada.


Quando os amigos chamaram para acampar perto da Cachoeira de Iraí, nem hesitou. Nunca foi ligada à natureza, mas quando percebeu, já estava com a mochila pronta.
Convenceu o pai a emprestar uma grana e se aventurou. 

Montaram acampamento em um camping seguro e simples. Maya respirou fundo e percebeu que estava descalça na terra. Se indagou como aquilo acontecera sem que ela percebesse.
Durante o jantar à fogueira, os amigos riam, tocavam violão e conversavam ativamente. E ela os olhava, mas não enxergava. Seus olhos pareciam atravessar toda a matéria e vagar mata adentro. 


Em um instante, sentiu uma sonolência. Seus ouvidos não escutavam mais os amigos e o chiado do fogo. Ela só ouvia a cachoeira. Parecia que sabia exatamente quando cada gota cairia. A sinfonia era clara e maravilhosa, um som único nunca antes atingido seus nervos sensoriais. Ela piscou, e aquela piscada pareceu demorar horas.
Abriu o olho e estava à beira da cachoeira.


Uma lágrima escorreu e o coração silenciou. Nunca em seus vinte anos vira algo assim.
Um esplendor, uma escultura natural de metros e metros sem fim.
Não sabia nadar, mas naquele momento sabia que isso não importava. Sentia-se protegida. Sentia-se em seu lugar de origem. Sentia-se em casa.
Molhou os pés e entrou devagar, como quem pede licença com muito zelo. Com a água na cintura, seu lado racional pensava "como não estou com frio?" e o coração respondia "o amor de Oxum é quente." Abriu os olhos, assustada. Será mesmo que havia escutado seu coração responder? E o que era isso, Oxum?
Respirou fundo e fechou os olhos novamente. O vestido branco se confundia com a espuma das águas e o cabelo preto bailava com o vento suave. Decidiu perguntar, em voz alta:
- Quem é Oxum?
Esperou um pouco. Não ouviu nada. Foi mais perto da queda d'água e sabia que precisava mergulhar. Teve medo, e se afogasse?
Olhou para baixo e viu através da água cristalina. Seus olhos encontraram uma luz dourada que iluminava a noite e competia com a luz da lua. A atração foi imediata.
Não sabia como mergulhar, mas mergulhou. Com a cabeça imersa, ouviu a voz mais doce de sua vida. Sentiu as lágrimas se misturarem com a água doce. Pela primeira vez desde bebê, sentiu um colo de mãe. O colo que uma morte prematura nunca permitiu que tivesse. Maya subiu à superfície e sentiu o ar acalentar os pulmões. Ainda de olhos fechados, voltou à perguntar:
- Quem é Oxum? - e ouviu do âmago da cachoeira a mesma voz doce responder:
- Sou a mãe que você sempre teve, mas não sabia chamar. Então fui ao seu encontro. Te trouxe até aqui pra te mostrar que você nunca está sozinha, minha filha. E que você é forte. O seu peso vem de fora, não de dentro. Dentro de você só tem luz, e é a luz que iluminará a sua escuridão. Busque sua fé.
Maya sentiu o coração pulsar de forma diferente. Sabia que não estava enlouquecida. Sabia que tudo aquilo era real. O peso dos últimos meses desapareceu e deu lugar a um sentimento diferente, desconhecido.
- Mãe Oxum, o que é isso que sinto agora? - E Oxum respondeu:
- Filha minha, a partir de hoje te chamo Iraí, e isso que você sente é fé.

Oxum e IraíOnde histórias criam vida. Descubra agora