Capitulo 2

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Quando o professor entrou na sala vestindo um suéter marrom e calças jeans manchadas de tinta, a sala e tudo ficou quieto, como se todos sentissem o poder que aquele mero mortal exalava dentro da sala de aula, como um predador em seu habitat natural, sabendo quem era o mais fraco do bando e como abater qualquer um que ameaçasse seu território e reinado. Desafiador eu diria que aquele ele era, apesar de sempre permanecer atônita a todas as suas aulas, ao contrário das outras pessoas eu não me intimidava com a presença dele.

Ao decorrer da aula o professor segue em minha direção como se em um aviso, o qual eu não me importava, lembro de uma época em que eu arquearia o corpo tentado me misturar a carteira ou talvez a parede para que passasse despercebida, sem causar problemas, mesmo caminhando para o outro lado da sala ele mantinha aquela postura ameaçadora em minha direção, como se soubesse da minha total falta de interesse em seus ensinamentos preguiçosos e porcos.

– Está gostando da aula Aileen?– perguntou o professor, havia o desafio no tom de sua voz e medo disfarçado de ignorância em seus olhos.

– Costumo apreciar de fato as obras de artes, ao invés de ouvir tantas lamúrias.– disse sorridente, mas eu estava mentido, já não me importava as pinturas, não como antes, em um tempo no qual estava viva, em alguns dias eu queria voltar naquele específico momento em que o mundo tinha mais cor, mas eu não sabia como, toda vez que eu acordava era como se um pedaço de mim se quebrava, eu realmente estava muito longe de casa e ainda mais de mim mesma. Precisava afastar todas as lembranças de minha mente, só que elas sempre falavam mais alto, aquelas memórias de dias coloridos eram cinzas em minha mente, já não me lembrava mais a sensação daqueles momentos, como se fosse escuro a minha vida toda, certas vezes em atos de desespero fugia da realidade, me perdia em alguma canto dos meus próprios pensamentos me mantinha. 

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Bati na porta, do professor da aula seguinte, pronta para ouvir broncas, afinal tinha me atrasado mais que o previsto no jardim da escola tentando em alguma tentativa desesperada sentir algo, mas aquela altura não tinha muitas coisas das quais ainda me faziam sentir como humana de novo. Ao escutar um "entre" abri a porta, vi o professor olhar em minha direção pronto para o discurso, entretanto algo me chamou a atenção, no meu lugar tinha um garoto novo, alguém que acabara de entrar naquela escola, ele estava de moletom preto o qual cobria sua cabeça baixa, como se sentisse sobre si o meu olhar ele levantou a cabeça e eu pude encarar a imensidão em seus olhos verdes, algo em mim se ascendeu como se já conhecesse aquele olhos sobre minha pele, em poucos minutos minha visão se tornou turva, estava acontecendo de novo, queria me concentrar nas palavras que o professor proferia, mas elas ficavam cada vez mais distante e tudo ficou preto e calmo, como se estivesse na minha própria solidão, podia me ver e ver tudo ao meu redor, como se tivesse saído do meu próprio corpo, busquei a mim de novo e tudo voltou a ser claro e barulhento, mas aquele garoto mantinha o olhar fixo em mim como se me lesse e soubesse o que acabara de acontecer. Mandei todos os pensamentos pra fora de minha cabeça e segui para algum lugar vazio em que eu pudesse me acomodar, ao passar por aquele garoto dos olhos verdes pude jurar que senti o cheiro de baunilha o mais suave possível, mas ainda continha aquele doce que penetrava meu nariz percorrendo todo o meu ser. Apesar de tudo apenas continuei, estava presa de mais em minha escuridão, e de fato eu realmente estava, pude sentir o ar pesar e as luzes se dispersarem dando espaço a toda aquela escuridão, naquele momento ela era diferente, como se visse algo novo, ela pôs a se desabar em mim acariciando minha pele como uma velha amiga e da mesma forma que veio ela se dissipou, me obrigando a voltar para aquela aula, mantive meus pensamentos longe, tão distante quanto as nuvens do céu, aquelas que eu um dia sonhara em alcançar, as mesma que já fizeram meus olhos brilharem em sonhos, os mesmos olhos que se encontravam em desespero pedindo a alguém que salvasse minha alma. Voltei o meu olhar para o garoto que estava imóvel, e quando virou pra mim não expressava nenhum sentimento, em relance vi as sombras o abraçarem como faziam comigo, uma velha amiga, como fora pra mim a momentos atrás, não desviei o olhar, continuei encarando o desafiando, mas ele apenas desviou seus olhos dos meus e voltou a se concentrar em qualquer outra coisa. De fato ele parecia ser interessante, podia ver pelo mínimo que aquele casaco deixava , os cabelos pretos como a noite caindo em sua testa, o maxilar estava contraído e criava uma linha nítida em seu rosto, ele tinha os olhos tão sombrios quanto a própria escuridão, pude notar, através da manga que tinha subido quando ele passou a mãos  pelos cabelos, como em um gesto de ansiedade, percebi uma tatuagem que vinha de seu braço e acabava em uma linha perfeita no pulso, aquela imagem acendia algo, novamente, no fundo de minha mente, algo que estivesse adormecido e acabara de acordar, algo contudo, poderoso, em questão de segundos pós a se apagar e aquilo –o quer que fosse– me chamava pelas sombras, eu podia ouvir, mas não entendia e a cada segundo se tornava tão distante, assim como eu.

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⏰ Última atualização: Aug 11, 2020 ⏰

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