Parte 1 de 1

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O olho esquerdo abriu primeiro que o direito. Uma pedra. Uma pedra estava ao lado do homem. Que estava deitado na cama. Que estava ao lado da pedra. O olho direito abrindo depois do esquerdo.

A pedra era enorme e tinha a forma de uma gárgula. Não era perfeita. A ideia da forma de gárgula estava mais na imaginação do homem do que na cena matinal daquele quarto. Um quarto sujo de bordel. Cama malhada de resíduos sexuais, cortinas densas e vampirescamente decadentes. Uma porta de madeira, uma cadeira de ferro e uma pedra maior do que o homem. Uma pedra ao lado do homem.

Procópio, este era o nome do homem, levantou o traseiro da cama. Este, o traseiro, menor do que a pedra. Andou até o criado mudo e vestiu a roupa. Calça surrada, suspensório aos pedaços e camisa linho aos trapos. Puxou os fios do bigode, com o indicador e o polegar da mão esquerda, e olhou para a pedra.

A pedra olhou de volta para o homem. Olho aberto. Olho fechado. Não fazia diferença. O olho da pedra era petrificado. Inerte e cinza. Nunca piscava. Nunca abria. Tão pouco fechava.

A pedra era desprovida de esfíncteres.

Procópio se sentou na cadeira de ferro. Ferro frio. A pedra ali. A pedra inerte. Parou de puxar os fios do bigode para acender um charuto Alonso Mendez, encontrado na esquina de uma caverna de pinturas e teriantropos. Riscou o fósforo na pedra. Pensou no quanto gostava mais dos fósforos americanos do que dos fósforos brasileiros.

O atrito do pau na pedra e o fogo na boca.

O quarto do bordel era pequeno e convidativo, apesar de sujo. Cheiro de álcool e mel. Respiração de fumaça e torpor. O homem olhou mais uma vez para a pedra, contemplou. Não se lembrava da noite passada, muito menos da sina que o fizera acordar ali. Suspirou. Conhecia o bordel, mas não conhecia a pedra. Não a enxergava mais como uma gárgula, mas sim como um meteorito. Vindo de um desencontro de Saturno, cuspido pela galáxia. Perdeu o ânus luz e o acertou em cheio, na cabeça. Depois se deitou com ele naquele quarto de bordel. Lúcido. Translúcido.

Por isso não se lembrava de nada.

O charuto já estava no fim. O homem ficou de pé e passou a mão pela pedra. Fria, sólida, cinza. Imaginou que a pedra, ou meteorito, tivesse a forma de uma mulher. Uma linda mulher. Mas que, ao mergulhar na atmosfera terrestre, perdeu sua beleza. Virou aquela gárgula disforme. Uma pedra na cama de um bordel.

Tirou a roupa e voltou a deitar na cama, ao lado da pedra. Abraçou. Respirou fundo e lembrou-se de onde vinha e onde estava. Grudou mais na pedra, em um abraço forte.

Dormiu.

Fechou os olhos, os dois, de uma vez. Ao mesmo tempo. Sem primeiro nem segundo.

A pedraOnde histórias criam vida. Descubra agora