Capítulo 1

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Mais rápido. Tudo o que ela precisava era ir mais rápido. O corpo de Magnólia nunca conseguia estar no mesmo ritmo que seus pensamentos, que corriam em espirais infinitas em sua mente. Forçava suas pernas a se moverem mais rápido, tentando combater as milhões de hipóteses que criava na cabeça, e segundo a sua própria opinião, se empurrasse o suficiente, faria o físico ganhar do mental.

Uma música tocava em seus fones de ouvido, calma demais, lenta demais, tudo estava devagar demais para ela. Suas pernas desaceleram, diferente de seus batimentos cardíacos, tão fortes que quase conseguiam disfarçar o maldito aperto no peito. Respirou fundo, finalmente se rendendo ao cansaço, não sabia dizer quem pedia ajuda, seu corpo? Sua mente? Provavelmente os dois. Entrou em um café, apesar de nem gostar de tal bebida, sentando na mesa mais distante da porta, pousando suas mãos trêmulas na superfície fria, mas sem conseguir parar de balançar a perna direita em um ritmo frenético.

A garçonete que veio anotar seu pedido foi rapidamente dispensada, e se Magnólia fosse apostar, não diria que ela havia ficado potencialmente triste com a proposta de não atender outra cliente. Seus olhos desviaram para a janela a seu lado, visualizando as ruas movimentadas no fim de tarde, com famílias passeando com seus cachorros, casais se abraçando e sorrindo, a maioria parecendo feliz e alegre, e por mais egoísta que parecesse, Magnólia odiava o quanto eles pareciam felizes, não era justo.

O domingo estava acabando, já passava das seis horas, e nada poderia a desanimar mais do que lembrar que tinha que voltar para a escola em menos de 12 horas, nada exceto a perspectiva de voltar para casa. Levou os dedos ainda levemente trêmulos aos cabelos, tentando em vão encaixar as finas mechas de volta no rabo de cavalo, sabendo que sua aparência provavelmente não era uma das melhores, pelo menos era assim que ela se sentia.

Magnólia Aparecida da Silva Pinciatti era perfeita. Alta, magra, inteligente, popular erica, cursando o segundo ano do ensino médio em uma escola de classe média alta, podia muitas vezes ser comparada ao estereótipo de mean girl representada nos filmes adolescentes americanos, mas não deixava de ser tudo o que a maioria das garotas procuram ser, afinal, ela tinha uma vida perfeita, certo?

Errado. Magnólia odiava essa imagem que construíram dela. Odiava que ninguém notasse o seu desespero, que se escondia por debaixo da garota perfeita. Era realmente rica e vivia em uma casa boa, mas como muitas vezes seus pais já haviam deixado claro, nada daquilo era dela, a maioria da fortuna vinha por parte de seu pai, que fazia parte de uma família italiana conservadora que construíra um império no mundo da moda, possuindo diversas filiais na própria Itália e no Brasil. Tinha uma vida regrada, controlada pela mãe, que sinceramente não ligava muito para a filha, mas adorava posar como a mãe e esposa perfeita perto de câmeras.

Na escola, era rodeada de amigos falsos, e de um namorado perfeito aos olhos dos pais, mas um verdadeiro babaca longe deles. No dia seguinte, Magnólia acordaria cedo, tomaria um banho e se prepararia para a sua atuação naquele teatro ridículo em que ela interpretava a personagem principal, e ela não podia pensar em outra coisa que odiasse tanto quanto isso, nada superaria o inferno em que vivia.

O aperto no peito, não sumira totalmente, nunca sumia, mas Magnólia já havia aprendido a ignorá-lo. Não sabia quanto tempo tinha passado, mas a julgar pela expressão de desconfiança do o homem do caixa, não foi um tempo tão curto. Levantou e foi até o caixa, comprou uma água e agradeceu seguindo na direção da porta. Contou até dez incontáveis vezes, controlando sua respiração e forçando seus pensamentos a focarem somente em uma coisa.

Nem percebeu quando chegou na portaria de seu condomínio, cumprimentou o porteiro, que percebeu os olhos assustados da garota, mas nada disse, e seguiu andando até o bloco que sua moradia ficava. Ajeitou os cabelos cacheados mais uma vez, hábito que fora adquirido a muito tempo atrás, e era repetido diversas vezes em situações de nervosismo. Fechou os olhos e girou a maçaneta, adentrando a casa. Seus pais estavam ali – o carro continuava na garagem- mas não a esperavam na sala de estar. Soltou o ar que nem sabia que estava segurando, aliviada, nada de relatórios, pelo menos não agora.

Subia as escadas para o segundo andar rapidamente, mas quando chegou no topo, se deparou com o seu pai, parado em frente a seu quarto, esperando ela. Frederico Ricardo Pinciatti era um bom pai, pelo menos quando não estava a olhando com desprezo ou desapontamento. Era um homem sério, alto, moreno e com a pele parda, olhos castanhos esverdeados afiados. Magnólia havia puxado mais a mãe, a pele negra, os cabelos cacheados, e a boca carnuda eram iguais, só os olhos eram diferentes, os de Magnólia eram idênticos aos do pai, nem restava dúvida, e esse mesmo par de olhos a encarava neste momento, esperando explicações que não podiam ser explicadas.

- Eu sinto muito.- Foi a primeira coisa que saiu dos lábios dela, o choro preso na garganta. Não podia contar das crises de ansiedade, eles não entenderiam e a julgariam mais.- Não vou sair mais sem avisar, tive um imprevisto e...- Antes que terminasse, foi deixada falando sozinha, seu pai já tinha virado as costas e saído andando, sem dirigir uma única palavra a ela. 

Sozinha no corredor, a garota franziu o cenho e mordeu os lábios, não sabia se estava aliviada por não ter que se explicar ou chateada pelo descaso já conhecido. Abriu a porta devagar, indo diretamente para o banheiro, se apoiou na pia e encarou seu reflexo. Parecia cansada, vários pequenos fios de seu cabelo estavam fora do seu rabo de cavalo, sua testa possuía gotículas de suor e seus olhos pareciam tempestuosos.

Foi se deitar tarde da noite,revirando-se na cama e apesar de saber que tinha que acordar cedo no dia seguinte, não conseguiu desligar sua mente. Desistiu depois de um pouco mais demeia hora. Olhou o celular que carregava na bancada ao lado da cama- 1:27.Suspirou e se levantou, pegou um livro qualquer em sua estante e sentou-se ao lado da janela, deixando as palavras a sequestrarem, querendo ou não, elas sempre a salvavam. 

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⏰ Última atualização: Aug 14, 2020 ⏰

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