Prólogo

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É claro que gosto não se discute. Cada um tem o seu. Algumas pessoas gostam de ver vitrines e de ficar olhando para coisas que nunca vão poder comprar. Outras ficam olhando para fotos de resorts na internet que nunca visitarão. E tem eu, que gosto de cultivar fantasias, e invento namoros imaginários. Sou especialista em enxergar o que quero.

A primeira vez em que isso aconteceu? Bem, já faz um tempo. Foi no sexto ano da escola. Hora do recreio. Heather e Jessica estavam reunidas em seu pequeno círculo de popularidade. Elas usavam brilho nos lábios e sombra nos olhos, tinham lindas bolsas de mão e também tinham namorados. Naquela época, ter namorado era um símbolo de status. Um símbolo que eu não tinha, assim como a sombra nos olhos.

E, de repente, sem pensar duas vezes, me peguei dizendo que eu também estava namorando... um garoto de outra cidade. As duas meninas populares se voltaram para mim com um súbito interesse, e eu me peguei falando sobre Finn, sobre como era uma gracinha, inteligente e educado. Um cara mais velho, de catorze anos. Também disse que a família dele era dona de um rancho onde criavam cavalos e que queriam que eu batizasse o novo potrinho. Eu contei que iria treinar o potro para que atendesse apenas ao meu assobio e para que viesse quando eu chamasse.

É claro que todas nós inventamos um garoto assim. Certo? Qual era o problema de acreditar, ou quase, que em algum lugar longe dali havia um garoto como Finn dos cavalos? As outras garotas compraram a ideia, me encheram de perguntas e passaram a me olhar com mais respeito. Heather  até me convidou para sua festa de aniversário que se aproximava, e eu aceitei, feliz.

É claro que quando a ocasião chegou, fui forçada a dividir com as garotas a triste notícia de que o rancho de Finn havia sido devastado pelo fogo e a família se vira obrigada a mudar, levando meu potro, Sol da Meia-Noite, com eles.

Talvez, a Heather e o resto das meninas da minha turma tenham desconfiado da verdade, mas percebi que não me importava nem um pouco com isso. Imaginar Finn fez com que eu me sentisse... ótima, para dizer a verdade.

Mais tarde, quando eu tinha quinze anos, e nos mudamos de nossa humilde cidade de Mount Vernon, em Nova York, para a elegante Avon, em Connecticut, onde todas as garotas tinham cabelos lisos e dentes muito brancos, eu inventei outro garoto. Jack, o namorado da minha cidade natal. Oh, ele era tão lindo (como provei mostrando a foto em minha carteira, que eu havia cortado cuidadosamente de um catálogo da loja J. Down).

O pai de Jack tinha um restaurante incrivelmente lindo chamado Le Cirque (é, eu tinha quinze anos). Jack e eu estávamos indo devagar... sim, nós
nos beijávamos, na verdade já havíamos ido um pouco mais adiante, mas ele era tão respeitoso, que não fora além. Queríamos esperar até estarmos mais velhos. Talvez ficássemos noivos logo e, como a família dele me adorava, queriam que Jack me comprasse um anel da Tiffany’s, não um diamante, mas talvez uma safira, parecida com a da princesa Diana, mas um pouco menor.

Infelizmente, rompi com Jack quatro meses depois que comecei meu segundo ano do Ensino Médio, para ficar disponível para os garotos locais. Minha estratégia fracassou... os garotos locais não estavam muito interessados em mim. Na minha irmã mais velha, com certeza... Maggie de vez em quando me buscava na escola quando não estava na faculdade, e os garotos ficavam paralisados só de olhar sua beleza intensa e gloriosa. Até minha irmã mais nova, que ainda estava na sétima série na época, já dava sinais de que se tornaria uma beldade.

Mas eu fiquei sozinha, e desejei não ter rompido com meu namorado fictício, senti falta do prazer e do aconchego que experimentava ao imaginar um garoto daqueles gostando de mim.

Durante a década dos meus vinte anos, e até mesmo agora, aos trinta, inventar um namorado era uma técnica de sobrevivência. Florence, uma das senhorinhas da casa de repouso, recentemente me oferecera seu sobrinho, durante a aula de dança de salão, da qual eu era assistente.

— Querida, você simplesmente vai amar Bertie! —, ela disse em sua vozinha aguda, enquanto eu tentava fazê-la girar para a direita. — Posso dar seu telefone a ele?

Nessa altura da minha vida, já tinha percebido que não gostava de homens.
Na mesma hora surgiu a namorada imaginária.

Fazia anos que eu não inventava publicamente uma namorada.  Quer dizer, até recentemente.

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