3/3: Minhee

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Woobin e Taeyoung sempre podiam esperar por Minhee em seus quartos na calada da noite; manhoso e impaciente, quase implorava para receber um pouco de carinho. Gostava de sentir os braços protetores de Taeyoung em seu corpo e escutar o ressonar tranquilo de um Woobin para lá de adormecido. Com o cheiro de flores pinicando seu nariz, dormia um sono profundo e tranquilo.

A calmaria, no entanto, só durava enquanto a lua reinava no céu. Tão logo o sol se levantava, Woobin já estava de pé se preparando para sair sem nem mesmo tomar o café da manhã ou deixar uma despedida para trás.

Cercado por flores e a melancolia solitária de Taeyoung, Minhee muitas vezes se perguntava se não seria a hora de partir. Simplesmente sair pela porta com a roupa do corpo, deixando tudo sem olhar para trás.

Como último ingrediente adicionado àquela mistura, Minhee sentia em seu coração a necessidade de fazer. Fazer mais. Aturar o cheiro por vezes nauseante da casa, o pó cobrindo calhamaços nos banheiros, as provocações de Jungmo e, o que mais o tirava do sério, os palpites despejados de um Wonjin sem cerimônias ou papas na língua.

Sentimentos frios tomavam as pontas dos dedos de Minhee como um presságio de dias perigosos e falhas antropológicas. Ele não queria partir. Desacostumara-se a tomar leite de banana sozinho; a viver numa casa monocromática; aos lençóis frios fazendo pouco para esquentar seus pés inquietos.

1974 fora o ano de seu renascimento. Desde muito jovem, Minhee juntava todo tipo de coisa, de discos empoeirados a globos de neve rachados, tentando em vão aplacar a náusea profunda que sentia desde... desde sempre. Encontrar Taeyoung e Woobin em meio às folhas quebradiças do outono tinha sido um oásis no meio de seu deserto pessoal de caixas de música desafinadas.

Tão pouco tempo havia se passado, e ele sentia-se habituado a viver caminhando em nuvens cheirosas e macias, a náusea banida para sempre de sua vida — ou assim queria acreditar. Minhee morria um pouco com cada silêncio carregado da casa. Ultimamente, ele morria todos os dias.

"Não dê nenhum passo em falso, você pode cair na boca aberta do leão e então... então você desejará estar num deserto escaldante, nas águas traiçoeiras do pacífico... em qualquer lugar que não a prisão solitária e carnívora" divagou certo dia após ter conselhos amorosos solicitados por um Hyeongjun com as mãos secas de desejo por Serim.

À qualquer conversa iniciada em sua direção, Minhee respondia com monólogos por vezes longos e intrincados e olhos embaçados. Um comportamento preocupante na opinião de Allen; para Wonjin, consequência da convivência com Taeyoung e suas idiossincrasias.

"Já não éramos mais os mesmos há algum tempo agora. Mas, você sabe, vamos nos salvar. De algum jeito, nós vamos" repetindo em sussurros crescentes, Minhee parecia querer afastar as nuvens ásperas que cobriam a casa com a morte das flores de Woobin.

A náusea apodrecida vislumbrava dias apocalípticos em seu horizonte borrado. Tentando sufocá-la a todo custo, Minhee afundava em solilóquios momentâneos e passeios irrequietos e solitários por daechi-dong.

E tudo pareceu descer a um novo nível de degradação com a partida do estimado Taeyoung. Acostumado a sua presença taciturna, seus livros expelindo pó e palavras confortáveis, o jovem não entendeu a princípio o significado do gesto grandioso do companheiro.

"Talvez seja verdade, talvez não seja" repetia para ouvidos que estivessem a seu alcance, amedrontando as idosas elegantes da vizinhança. Se Woobin compunha a aparência de um típico paciente dos "hospícios" do século XIX, Minhee idealizava sua personalidade.

Excetuando a última e derradeira discussão – que terminara com flores pisoteadas e frascos de desinfetante comprados apressadamente – os frequentes estouros minguaram como velas sopradas por crianças ansiosas. Gritos e xingamentos repletos de cuspes raivosos deram a lugar a preocupações febris com Woobin e seus panos e vassouras.

Minhee segurou como pôde, fazendo e refazendo nós nos pontos descosturados da vida outrora açucarada. Com a náusea engolfando seus pensamentos desorganizados e o cheiro de água sanitária pondo em fogo seus sentidos, numa madrugada gritante de chuvas recentes e cheiro penetrante, ele caminhou secretamente até o lago comovente mais próximo.

Queria morrer como a Ofélia de Millais, pura e com florinhas nos cabelos. Decidiu que se deitaria nas águas faiscantes e deixaria que ela cobrisse seu rosto atormentado, levando os pensamentos obsessivos junto com o líquido viscoso que preenchia seu corpo desanimado.

Acordou num quarto leitoso, fios cristalinos levando substâncias extravagantes para suas veias de papel. Ouviu confusos termos frios como "ideação" e "transtorno". Sem Woobin com seu silêncio relutante de estátua grega e Taeyoung juntando palavras líquidas, Minhee pressentia que cairia na teia de um futuro caudaloso irredutível.

Somente com as mãos foscas de Serim amparando seu peso cansado, os olhos de um Hyeongjun periclitante, os tiques nervosos e toques preocupados de Allen, a presença de um Seongmin avoado e as línguas dardejantes de Jungmo e Wonjin desmatando caminhos honrosos, Minhee sentiu-se pronto para tatear um mundo nocivo de flores artificiais e palavras mortas.

NAUSEA 1979Onde histórias criam vida. Descubra agora