Herança

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 O primeiro de muitos contos do trabalhador. Eu sei, que nós trabalhadores, não precisamos de mais motivos para ficarmos com medo no nosso dia a dia e eu criei esses contos exatamente para tirarmos nossas mentes de tribulações reais demais para serem divertidas.

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 Esse conto é dedicado a todos meus leitores Beta. Vocês são fantásticos.


Herança

1

Diego era apenas mais um trabalhador brasileiro, com pequenas preocupações gigantes, como pagar contas e chegar vivo em casa todo dia. Era uma rotina chata, como a de todos nós. Mas a morte de sua vizinha faria sua vida ganhar um acréscimo de tensão e terror.

Saindo atrasado de sua casa, como quase todas as manhãs, Diego ia com sua moto 125 cilindradas, sempre costurando pelo trânsito para não chegar muito fora do horário.

Antes de sair, beijou sua esposa que ainda dormia. Ângela era secretária em um escritório de advocacia, mas estava de licença maternidade. No outro quarto, olhou seu filho de apenas quatro meses. Gabriel dormia como um anjo, nem parecia a mesma criança que chorara a noite passada com toda a força dos pulmões. Mesmo atrasado, ele observou seu filho respirar por alguns segundos.

Quando finalmente saiu pelo corredor, viu uma movimentação no apartamento da frente, o síndico do prédio estava lá, assim como um homem com o uniforme do SAMU. Ficou curioso, mas precisava trabalhar.

Desceu as escadas em ritmo acelerado. Sua moto pegou na terceira tentativa, a cada dia ficava mais difícil fazê-la funcionar. Diego sabia que, cedo ou tarde, teria que comprar uma moto nova e pensar nisso o fez lembrar de suas dívidas. Não tinha reservas suficiente para tal feito e já tinha o prognóstico de que gastaria muito com fraldas nos próximos anos.

— Vai ter que aguentar mais tempo companheira — ele disse para a moto e partiu apressado para o serviço.


2

Chegou apenas vinte minutos atrasado por ter arriscado sua vida em alguns momentos no trânsito. Incluindo algumas infrações. O gerente do posto de gasolina olhou para o relógio quando o viu. Diego correu para a bomba e começou a atender os clientes.

— O homem tá de cara feia pra você! — disse Marcos, seu colega de trabalho. Talvez seu melhor amigo, ou simplesmente Diego não tinha tempo para outras pessoas e a única saída era fazer amizades no trabalho.

— A cara dele é feia todo dia. — Diego não sorriu. Marcos riu mesmo assim.

Na hora do almoço, Diego viu que esquecera sua marmita na mala da moto, com certeza seu almoço estava arruinado. Abriu o vasilhame de plástico para confirmar e nem precisou chegar com o nariz perto para sentir o cheiro azedo. Nessa hora, Wagner, o gerente, passou atrás dele.

— Atrasou hoje de novo, bomba dois. — Wagner costumava chamar seus frentistas pelo número da bomba que eles trabalhavam. Ele pensava estar sendo engraçado, Diego se sentia ofendido.

— Desculpa, Wagner. — Diego detestava essas situações, se sentia minúsculo. — É que o Gabriel chorou a noite toda e minha mulher estava muito cansada.

— Eu entendo totalmente. — Wagner ficava com a voz esganiçada quando mentia. — Mas achei que sua esposa estava de licença maternidade.

Não é da sua conta.

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