PARTE I - CORES FRIAS
Quando Lucca era criança, ela odiava qualquer coisa que envolviam as artes - exceto talvez por tudo que gostava: música, dança, desenhos animados. O que ela odiava mesmo eram quadros, pincéis, tintas, lápis de cor e qualquer outra coisa que lembrasse à pintura. Todo esse ódio não era sem razão: Matteo Zabini, seu irmão mais velho, passava horas e horas focado demais na própria arte para que pudesse prestar atenção ao que sua irmã fazia.
Matteo tinha 18 anos na época e Lucca tinha 10 - aquela fase em que uma criança começa a realmente observar a realidade ao seu redor. Por pintar desde a infância, Matteo levava a arte muito a sério e não podia deixar de lado um pedaço tão importante de quem era, mas, com o tempo, acabou deixando sua caçula de lado.
Quando percebeu a gravidade da situação, Matteo sentiu o peso de seus atos. Afinal, que tipo de criança não gostava de pincéis, tintas e lápis de cor? Lucca havia se tornado essa criança, depois de todos os anos que passou desenhando coisas em todas as superfícies possíveis, recortando páginas de várias e várias revistas e inventando seu próprio conceito de arte. Lucca estava magoada.
Matteo, então, decidiu que o melhor a se fazer era reintroduzi-la ao fabuloso mundo das artes. Por meses seguidos, levou a irmã a todos os museus do Grupo Tate, o Victoria e Albert Museum, Madame Tussauds e todas as exposições de arte moderna que conseguiu encontrar. Não foram raras as vezes em que a levou para comprarem tintas, telas, pincéis, suportes e cavaletes.
Em um desses passeios, os irmãos Zabini estavam em uma feira artística, daquelas que você encontra todo o tipo de coisa: desde pessoas vendendo materiais até artistas independentes demonstrando o próprio trabalho. Matteo estava distraído com um kit de tintas qualquer e entrou em desespero quando, ao abaixar os olhos para mostrar as cores para a irmã, não viu Lucca em lugar nenhum. Olhou para todos os lados, empurrou algumas pessoas que entravam em seu caminho, gritou desesperado pela caçula, mas não obteve resposta alguma.
Quando estava a um passo de ligar para os pais - ou para a polícia, ainda não tinha certeza - viu o emaranhado de cabelos cacheados parado perto de um homem no topo de uma escada. De onde estava, ele colava pedaços coloridos de um papel que nenhum dos Zabini reconheciam na enorme tela contendo o desenho de dois cavalos; os animais estavam juntos, envolvidos em folhas e flores. O trabalho era delicado, cuidadoso e minucioso, muito bonito, e Lucca estava boquiaberta. O homem tinha cabelos meio lisos, abaixo das orelhas, e tinha uma bandeira cubana presa em um mastro e apoiada ao lado do cavalete. Não devia ter mais de 20 e poucos anos.
Respirando fundo em alívio, Matteo se aproximou de onde Lucca estava. Depois que ela empurrou os cachos para trás a fim de enxergar melhor, o mais velho percebeu que os olhos dela brilhavam em admiração e expectativa. A cabeça dela estava curvada para o lado e os dedos se mexiam nervosos quando, do topo de uma escada, o artista percebeu que estava sendo observado pelos irmãos.
Com cuidado, ele desceu os degraus e deixou que o pincel e os pedaços de papel descansassem na pequena mesa de madeira que havia montado ao chegar à feira, localizada dentro de uma estrutura parecida um uma estação de trem: era grande, espaçosa e tinha um mezanino na parte de cima, onde era possível observar todo o espaço. As janelas de vidro eram coloridas e mantinham o local iluminado pelo sol. O homem sorria e, quando o fazia, era possível notar algumas rugas no canto dos olhos, marcas de expressão que ele carregava com carinho graças a todos os sorrisos que já havia oferecido até aquele ponto em sua vida. Ele se aproximou de Lucca e Matteo, apertando a mão do garoto ao cumprimentá-lo.
— Hola, cariños - ele disse em um espanhol arrastado - Como posso ajudá-los nessa bela tarde?
— A gente tá só olhando - Matteo informou, puxando a irmã para perto de si - Não queremos atrapalhar, mas ela ficou curiosa.
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Caleidoscópio
FanfictionA teoria das cores criada por Johann Wolfgang von Goethe afirma que além das refrações da luz no ambiente, as cores também dependem da percepção de quem as vê. Em seu caleidoscópio, Lucca Zabini gostava de tentar identificar cada uma das cores que e...