☾ Capítulo 1 ☾

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- Lorraine - ouvi a voz de minha mãe ressoar ao longe enquanto eu despertava vagarosamente. - Acorde, filha, nós chegamos.

Desencostei minha cabeça do vidro do carro e coloquei as mãos sobre os meus olhos, esfregando-os e tentando me encontrar em minhas lembranças para me localizar. Onde eu estava? Quando olhei para fora, porém, obtive a resposta.

Eu olhava para uma casa grande, quadrangular, toda branca. A parte de cima, que eu presumia ser alguns dos quartos, eram revestidos com grandes janelas de vidro, trazendo luz ao lugar. Em nossa frente, um vasto jardim verde, protegido com uma cerca alta de madeira. Era realmente tudo muito bonito.

- Vejo que gostou da nossa nova casa? - meu pai perguntou e olhei para ele, vendo-o sentado no banco do motorista e virado para mim, com um pequeno sorriso de estímulo - Ao menos um pouco?

- Como conseguimos arcar com ela mesmo? - perguntei, cruzando os braços e não querendo deixar transparecer qualquer opinião positiva. Eu não podia me apegar a nada daquilo.

- Essa é uma das muitas vantagens dos dois melhores caçadores terem ido para uma missão depois de tanto tempo - meu pai sorriu, com certo orgulho. - Três, se contar o projeto de gente aí atrás.

Apontou para o meu irmão mais novo que estava dormindo ao meu lado, com a cabeça encostada no vidro. Seus cabelos escuros estavam bagunçados, como se ele estivesse acabado de sair da cama e ido direto para o carro, o que era de fato o que havia acontecido, e sua pele clara era refletida pela luz do sol que batia nela, o deixando mais pálido do que normalmente era.

A fala de meu pai fez meu coração apertar. Eles vieram para cá em uma missão, já eu...

- Hector, você sabe muito bem das regras! - minha mãe lhe lançou um olhar repreendedor.

- Mas estamos dentro do carro... - começou a se explicar, mas logo foi interrompido por ela.

- Mesmo assim. Depois de chegarmos aqui, é proibido qualquer menção ao que de fato somos ou o que viemos fazer aqui. Já repassamos a nossa história e é ela que usaremos de agora em diante. O que nós somos não existe mais, pelo menos não aqui.

Peguei em meu colar, uma lua crescente com um círculo de cores vibrantes, que se encontrava em meu pescoço e o apertei. Tudo o que de fato sou... ser esquecido como se não fosse nada.

Minha mãe virou o rosto para mim e me observou. Olhei de volta para ela, sem conseguir esconder tudo o que estava sentindo e os olhos dela se suavizaram. Ela sabia o quanto tudo aquilo estava sendo difícil para mim, o quanto eu não queria estar ali, o quanto eu queria ter ficado e cumprido o meu papel...

- Ajude-me a levar as caixas para dentro, Raine? - pediu, com a voz doce e, perante o meu breve aceno, estendeu a mão para mim. Peguei-a e ela a acariciou, em sinal de conforto - Eu sei que é difícil, mas as coisas irão melhorar. É só uma questão de tempo.

- Enquanto isso você pode organizar o seu quarto do jeito que quiser - meu pai disse como um incentivo. - Pode ter um pedaço do nosso lar lá.

Olhei para os dois, que me encaravam com amor, mas também com certa angústia. É verdade que fui obrigada a ir para lá, mas eu sabia que fizeram isso apenas para me proteger. Assim como sabia que vieram para cá com o intuito de proteger nosso lar. Tudo sempre foi sobre isso: proteção. Eu, mais do que ninguém, entendia isso. Então não precisava tornar tudo mais complicado do que já estava.

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