Depois que Zunduri acabou aprendendo o idioma comum, nenhuma das moças conseguiu mais descansar a noite: suas histórias sobre fantasmas que eram ordenados a apoiar-se sobre os ombros de homens, e bonecas de palha espetadas por alfinetes assustavam a todas. Até tentaram expulsá-la, mas não conseguiram. Ela era uma de algumas escravas, estava ali para servir.
Madalena tentara evitar ouvir as histórias da negra, mas não conseguia. Possuía algum fascínio naquilo, apesar dos pesadelos que teria ao dormir. Quando não estava pensando nisso, refletia sobre sua vida, como naquele instante. Estava exausta de seu trabalho, não queria pertencer aquilo para o resto da vida. Mas o tempo de pensar sobre si mesma havia acabado após um cliente a escolher. Ela o levou até o quarto e fez seu serviço.
A jovem era considerada a mais bonita: tinha uma pele clara e macia como copos-de-leite, olhos verde-esmeralda e o cabelo fogo, além de algumas sardas que salpicavam seu nariz e bochechas. Já presenciara dezessete outonos.
Na noite seguinte aconteceu algo que nunca ocorrera antes: a moça apaixonou-se por um cliente. Deveria ter um pouco mais de quarenta anos, pois possuía alguns cabelos prateados misturados com os escuros, barba rala, olhos turquesa, era alto e musculoso, parecia um cavaleiro que salva donzelas, nas histórias. Ele não quis ficar sozinho com Madalena no bordel, teve o desejo de leva-la para sua casa, então os dois saíram da construção e a jovem viu que o homem possuía cavalos e guardas o acompanhando. Os dois cavalgaram no mesmo corça. Depois de algum tempo, a moça começou uma conversa:
- Seria agradável saber o nome de meu bravo cavaleiro.
- Prazer - sua voz era alta e ríspida -, chamo-me Romeu Floriani - Madalena não reconheceu aquele sobrenome, mas não se importava -. Agora desejo saber o da senhora.
- Madalena, senhor. Estamos longe de sua casa?
- Não. Já chegamos.
Mas tudo que conseguia ver através da luz do lampião era mato até, de fato, chegarem à simples casa de pau a pique que emergia da escuridão. Desmontaram os dois do cavalo e seus guardas levaram-nos ao pequeno estábulo atrás da construção. Romeu levou sua desconfiada acompanhante ao quarto, despiram-se de sedas e couros e começaram a cavalgar sobre a cama de palha, até o homem expelir seu sêmen, molhando as costas da mulher. Em seguida, deitaram-se os dois na cama, então Romeu fez uma pergunta:
- Percebi algum desapontamento em seu rosto quando chegamos. O que houve?
- Engano, senhor -, mentiu Madalena. Como um homem tão belo, vigoroso e protegido poderia ao mesmo tempo residir de forma precária? Talvez não fosse sua casa...
Enquanto ela respondia, seu companheiro naquela noite dirigiu-se ao jarro de vinho sobre o criado mudo e os serviu em duas taças de prata que estavam próximas. Sem a moça perceber, colocou algo a mais em seu vinho que a fez dormir.
X X X
Madalena lutava contra pálpebras pesadas que cobriam sua visão. Quando finalmente as venceu, viu um céu cheio de estrelas. Ainda estava na casa: era um cômodo sem teto, apenas paredes. Tentou estender as mãos, levantar os pés mas não conseguiu. Estava presa com membros afastados um dos outros, deitada sobre terra batida e sozinha, até uma porta ser aberta, entrando Romeu acompanhado por dois serviçais .
- O que está acontecendo? - falou com voz alta Madalena.
- Fiz de ti minha Maria. Agora irás nos ajudar.
Romeu posicionou-se entre os pés e seus companheiros ao lado de cada mão da moça. Ela olhou para os lados e viu que estava no meio de uma estrela prateada de cinco pontas. Cada vértice possuía uma caveira e em cima, uma vela preta; do lado, vasilhas com pedaços de dedos, mãos e olhos ensanguentados humanos. Começou a gritar e chorar depois daquilo, até cansar a garganta e ninguém socorrer.
- Agora que cansou a garganta, podemos começar -, introduziu Romeu e limpou a garganta - Sob a luz de velas, da lua e estrelas, num lugar desabitado onde os carniçais gostam de brincar, oferecemos-lhe, Rainha da Fartura, a alma da jovem mais bela e doce de nossas vidas - começaram a contornar o círculo, cantando uma canção em outra língua, cada vez mais alto.
Seu desespero e fé não acharam uma maneira de escapar. Logo em seguida, tudo parecia chacoalhar e borrar na visão da pobre jovem servida como oferenda. Então resolveu fechar os olhos e aceitar a partida.
VOCÊ ESTÁ LENDO
O Outro Lado
HorrorApós participar de um ritual macabro atuando como oferenda, mente e alma de Madalena se transformam completamente. Anos se vão e a nova mulher acaba criando sua própria sociedade secreta, obscura. Ao mesmo tempo, tentando esconder seus objetivos, at...