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Capítulo 1

"Se nunca sentirmos na pele um gelado inverno escuro, se torna raro que se aprecie por completo o calor de um dia tropical.
Nada estimula nosso apetite para a vida como a impiedosa fome causada por tristeza ou desespero.
Para completarmos nossa jornada da vida por completo, deve ser vital que transformemos cada lagrima em um diamante de conhecimento – e que encontremos a magia dentro dos encantos mais malignos."

1. A CALMA ANTES DA TEMPESTADE

O céu estava branco, assim como o chão coberto por uma manta de neve que ainda caía em um silêncio lento e metódico. Era tarde no dia e Anastasia agradecia pelo brilho do céu nevando estar menos intenso contra seus olhos azuis pálidos. Lá estava deitada entre a neve caída e os flocos que ainda flutuavam nuvens abaixo, olhando fixamente para o vazio acima dela. Sua pele estava sem contraste com o infinito branco que a rodeava – a única diferença era o leve iridescente e perolado de sua palidez. A harmonia só era quebrada por longos cabelos e lábios vermelhos em cascata, mais vermelhos do que os melhores vinhos.

A neve estava começando a enterrá-la lentamente, mas lá ela permanecia, indiferente. Seu vestido preto era quase visível sob a neve intocada – não vestia casaco, mas não se importava. Seu corpo estava entorpecido contra o frio, e era quase agradável. Anastasia piscou lentamente enquanto os pequenos flocos caíam sobre seus longos cílios. Seu tórax quase não subia sob a neve, estreitado por seu espartilho dolorosamente apertado. Anastasia fechou os olhos, desejando que pudesse esquecer o mundo à sua volta. Houve apenas silêncio, e até mesmo o som da neve não foi suficiente para quebrar a quietude. Ela sabia que Elvira chegaria na noite seguinte, e a véspera de Natal tinha sido cuidadosamente planejada para a noite depois. Era como se soubesse em sua intuição que precisaria daquela inércia, pois viria a perder essa paz - dias sombrios e caóticos aguardavam.

Os pensamentos de suas responsabilidades armaram sua mente, mas não queria pensar. Só queria se deitar no silêncio e traçar os dedos sob as letras lisas das lápides ao seu lado. Por mais que tentasse, seus pensamentos a chamavam como vozes de uma esquizofrênica – uma sensação que escolheu achar como deliciosa. Seus familiares, suas plantas, seu lar, sua vida! Tudo o que era ela parecia vir imediatamente, pedindo atenção.

Seus olhos se abriram calmamente, e se levantou de sua sombria cama de neve. Ainda sentada, olhou para frente, sua casa mal visível além da cortina branca. Dentro dessas paredes, tudo o que era ela. No entanto, desejava que pudesse permanecer onde estava para sempre. Esquecer o mundo mundano à sua volta. Fazia mais de um ano que sentia algo parecido com sua abstração - porque sabia que estava cercada pelo tédio e pelo ócio.

A Suíça permanecia como um refúgio seguro durante a expansão da Guerra - ainda assim os excluía em solidão em sua gigantesca casa eterna. Estremeceu quando os pensamentos voltaram a borbulhar em sua mente - o horror da crescente expansão do Terceiro Reich à medida que menos hóspedes descobriam sua pensão, e a unânime expressão inconsolável estampada nos poucos que ainda os visitavam, criadas por quem testemunhava de perto o progresso da expansão dos campos de concentração.

Gaspar tinha ido embora por duas semanas agora - esta seria a última de suas viagens ao exterior já que decidiram transferir todos os seus fundos para um cofre privado dentro de sua casa. Ainda assim, sabendo que ele chegaria a qualquer momento, com Elvira no dia seguinte e o Natal no outro tinha sido suficiente para petrificar Anastasia em um estado de solidão e reflexão.

De repente, ela ouviu uma pequena voz que soava do silêncio chamando seu nome, ecoando pelos gramados brancos que rodeavam a mansão vitoriana. Suspirou fortemente ao se levantar, sabendo que isso significava que sua meditação solene estava no fim.