Parte 3

34 13 32
                                    

É como se uma onda estivesse prestes a me engolir.
  À noite, senti involuntariamente acessar uma lembrança tão preciosa que havia se perdido para não ser corrompida pelas ruins.
  Enquanto eu e Silas estávamos debaixo do pessegueiro do parque de Mine, desenhando, vimos tia Pam se aproximar carregando algo estranho nas mãos. Silas correu desesperadamente enquanto eu andava com cuidado, embasbacada com aquilo. Que tipo de tecnologia alien ela tinha?
Perguntei sobre a máquina que ela carregava e ela se ajoelhou para ficar em nosso campo de visão. Ela explicou que era uma máquina fotográfica, que tinha a capacidade de capturar os sentimentos humanos, talvez a única invenção humana que entendia a vida. Mesmo que alguém perdesse essa emoção, a foto estaria ali, mostrando aquilo que você sentiu um dia.
Na época, enquanto ela nos organizava para uma foto embaixo do pessegueiro, com Silas  fazendo sinal de paz e eu segurando uma flor para que não voasse da minha orelha, eu não compreendi aquilo. Era só um pedaço de papel. Mas ela disse que, mesmo que um dia nos separassemos, a foto nos acompanharia e seria o laço ligando nossas emoções.
Agora, olhando a foto depois que Silas saiu para a cozinha, é como se eu soubesse o que tia Pam quis dizer. Que, embora tudo o que a Hannah criança era tenha mudado, a foto está aqui para me lembrar de que meus sentimentos estavam de desenvolvendo desde aquele dia, até chegar a essa Hannah, que vê todos os "Confesso-mes" no verso se unirem em um confronto com acusações as quais sempre tentei esconder.
  Eu acho que estou me apaixonando pelo meu melhor amigo. 
  Escuto alguns passos vindos de fora. Jogo a foto embaixo do travesseiro, arrumando o cabelo desengrenhado e retirando remelas dos olhos. Me viro para porta e me pretifico.
_ Quem é…
_ Sua prostituta- a mulher grita para mim.-Eu não acredito que o Silas teve coragem de fazer algo com uma vadia como você. E na nossa cama.
_ Como assim?- pergunto atônita-.
_ Você é burra? Sai agora da cama do meu namorado. Melhor, saia dessa casa.
Namorado? Meu mundo está desmoronando de novo. Ele namora? Por que ele não me contou isso? E por que sinto que alguém acaba de perfurar meu coração?
_ Anda, vai embora- ela aponta para fora jogando minha mala na porta-. Quer dinheiro pela noite, é isso? Eu vou te dar o dobro para sumir agora da minha vista.
Eu vou vomitar. Não quero ficar aqui, sequer quero que ela veja o lado da minha vulnerabilidade. Por que Silas não me contou? Não sei, mas isso explode meu coração em milhões de gotas de lágrimas.
Corro para a porta e ergo a mala. De repente, lembro da foto. Apesar de estar com raiva, essa foto foi me dada pela tia Pam,eu não vou abandoná-la.
Pego tudo e saio correndo. A mulher grita imprecações para mim enquanto fujo em direção as escadas.
  Encontro Silas nela, com olhar de dúvida sobre algo.
_ Hannah… o que… por que você pegou sua mala?- pergunta.
_ Eu vou embora- sibilo para não chorar.
_ Você tá brincando, né? É piada da manhã, porque não tem graça.
_ Não é piada. Eu que sou a piada para você. Uma namorada, sério, Silas. Não me contar sobre isso.
_ Aí, meu Deus, Hannah, eu posso explicar...
_ Sempre podem, não é? Todo cara sempre pode.
_ Por que você tá tão brava? Eu… aí, Hannah.
Eu sinto meu rosto queimar. Quero socar a boca dele por falar meu nome com aqueles lábios que ontem beijei. Dói muito.
Enxugo uma lágrima.
_ Adeus.
Fujo para porta como um ladrão pego em flagrante. Agarro a maçaneta e sinto agarrem meu braço.
_  Por favor…- implora, a voz falhando e os olhos marejados.
_ Você também me machucou.
Declaro enquanto puxo meu corpo pela rua desconhecida. Eu não sei aonde vou, mas sei onde quero estar. Longe dele, desse sentimento e de qualquer um que possa me causar mais dor do que a que queima meu corpo agora.
Eu preciso respirar. Essa é uma sensação conhecida: um ataque de pânico. Tenho muitos desses infligidos pelo meu padrasto. Porém, isso ferve com mais intensidade agora.
  Vejo um banco perto de uma lanchonete e me afundo nele. As pessoas olham para mim com expressão de repugnância. Porém, não ligo.
Eu preciso de ar no cérebro.
_ Moça, tudo bem?- uma mulher com machucados inflamados no rosto pergunta. É a mesma do motel.
_ Ugh… eu não respi… ugh.
_ Olha nos meus olhos- me ordena e obedeço.-  Agora respire pelo boca e expire pelo nariz. Pege o máximo de ar possível.
  Meu corpo cede e ar circula preenchendo cada espaço, menos o que mais machuca.
_ Obrigada- agradeço.
_  Eu te reconheci, isso é o mínimo que eu posso fazar pela namorada do cara que salvou minha vida.
  Namorada, é? Abro a boca para refutar sua ideia quando ela me interrompe.
_ Ah, você deixou cair essa foto. Deve ser importante, porque tem muita coisa escrita atrás e você estava apertando no peito.
Eu agradeço e ela sai pela rua.
Analiso a foto para ver se está ilesa, mas percebo uma diferença da minha foto. Tem confissões no verso, só que a letra é menos trabalhada e a forma de escrever é diferente da minha. Leio uma:
" Para Hannah, 17 anos. Encontrei ela na internet. Sua voz é triste, mas ao mesmo tempo me absorve com sua doçura. Ela não mudou, apesar de que a vida também não mudou para ela. Escuto tudo o que ela fala, com raiva de cada um que a faz mal. Isso me da vontade de quebrar a cara de todos que a machucam. Ela não é vadia, nem nojenta e muito menos merece estar triste. Se a encontrasse, eu diria que sua beleza é tão intimidante que algumas pessoas tentam destrui-lá. Mas ela pode ter me esquecido, ou não querer me ver novamente. Não posso arriscar, principalmente agora que algo estranho começa a crescer dentro de mim. Algum dia, Hannah…".
Choro mais depois de tudo. A dor, o sentimento, o reencontro, tudo quebra meu coração e rasga minha alma. Mas eu não posso mais fugir.
Eu preciso encontrar o Silas e tirar todos nossas confissões dessas fotos.

(1038 palavras)

Confesso-me Onde histórias criam vida. Descubra agora