O dia amanhece Asher acorda assim que a luz do dia entra na casa do velho Gael. Dror já estava de pé esperando pelo seu senhor, haviam sido ameaçados pelos malditos filhos de Belial, sabiam que não poderiam ficar mais na cidade de Gibeá. Gael abriu a porta da casa para os viajantes que encontraram com Mikhayah caída na porta com sua nudez a mostra. O velho foi para dentro pegar um lençol para cobrir a jovem.
- Levante-se Mikhayah! Vamos logo sair desse lugar! – ordenou o levita.
- Você por acaso está cego? – repreendeu o velho, cobrindo o corpo de Mikhayah com o lençol – Ela está morta!
- Não pode ser? – duvidou Asher.
- Ela tá morta sim! – confirmou Dror tocando no corpo gélido da concubina.
- Santo Deus! Eles a mataram, aqueles malditos! – lamentou Asher ajoelhando-se ao lado do corpo de Mikhayah.
- Faça-me o favor meu senhor, achou mesmo que ela iria ficar viva depois de ser abusada por todos aqueles homens? – ironizou Dror.
- Dror, sugiro que você cale a boca antes que eu pegue aquela espada e enfie na sua garganta!
- Agora você quer dar uma de valente? Onde estava essa coragem ontem à noite?
- Cale a sua boca agora!- Ou o que Asher? Em? Você é um inútil orgulhoso que só pensa em si mesmo!
- Eu já mandei você calar essa boca!
- Vem fazer Asher! Você não tem coragem pra isso! Ou tem? O seu medo é deplorável. Jogou a menina pra fora como se fosse um cão! Ainda quer ser um homem honrado? Se tivesse me ouvido quando disse para pararmos em Jebus, ela certamente estaria viva agora!- Olha seu desgraçado, juro que vou mandar matar você quando voltarmos para Efraim!
- É só isso que você sabe fazer! Mandou-me matar Llan, assim como muitos outros!
- Chega! – ordenou Gael – Peguem suas coisas, o corpo dessa mulher e sumam das minhas terras agora!
- Você ouviu o velho não é? Agora me ajuda a colocar o corpo dela em cima do cavalo.
- Eu deveria largar você aí com seus problemas!
- Se você quiser sumir depois, fique a vontade, mas agora me ajuda a colocar ela no cavalo.Colocaram o corpo da jovem em cima do animal, guardaram tudo o que podiam e pegaram a estrada para Efraim, não economizaram tempo, pois chegar a Efraim o mais rápido possível era uma obrigação. Depois de longas horas sem parar um momento sequer, Asher e Dror entraram em Efraim, seguiram para a parte montanhosa pela mata tentando evitar as pessoas da cidade. Ao chegarem, Dror e Asher tiraram o corpo de Mikhayah do cavalo e a levaram para dentro da casa do levita.
- O que eu vou fazer agora? – perguntou Asher desorientado com o corpo da concubina.
- Asher você tem que dar um enterro digno a ela, só isso. Vou lá fora pegar algumas coisas pra te ajudar.
Asher tirou o lençol que cobria o corpo de Mikhayah deixando-a exposta novamente, olhou mais vez aquele lindo rosto que um dia ele viu sorrir, passeou sua mão pelo corpo gelado da jovem que um dia foi seu. Puxou-a até seus braços e pousou o rosto dela em seu peito. Foi ali que ele se perdeu nos braços dela pela ultima vez. Seu grito foi alto o suficiente para assustar Dror do lado de fora. Asher chorava amargamente, sentia a dor de ter dado sua concubina para a morte, lembrou-se dos pedidos desesperados dela para que ele não a jogasse aos braços dos homens que lhe roubaram a vida. Aquilo doeu dentro de sua alma, Deus certamente estaria indignado com suas atitudes, com sua vida miserável, cheia de pecados e delitos. Colocou o corpo dela de volta ao chão, saiu de casa preocupado como quem precisava de algo importante. Foi até a entrada do estábulo e pegou um machado que estava fincado em um tronco velho.
- O que vai fazer com esse machado? – perguntou Dror estranhando tal atitude.
- Não é da sua conta!
- Sabe Asher, agora tudo fez sentido pra mim – ponderou Dror fazendo Asher parar e olhar para ele.- Do que você está falando?
- Aquilo tudo que você me disse, a história da ovelha. Até fiquei perturbado ao ver você todo jubiloso na casa do pai de Mikhayah, pensei mesmo que você tinha desistido da ideia de puní-la, mas aí você a jogou pra fora da casa do velho Gael, mesmo sabendo que aqueles homens não iriam poupa-la. Achava que eu era é um ser humano ruim, cheio de pecado. Mas pude ver com meus próprios olhos o quão nojento e frio é você.
Imediatamente Asher cravou-lhe o machado na cabeça, Dror despencou como um tronco de árvore, batendo as costas no chão ferozmente. De forma grosseira Asher tirou o machado que estava preso em seu crânio. Sem se preocupar com seu servo agonizando ali no chão, o levita entrou em sua casa, olhou pela última vez o lindo corpo de Mikhayah corrompido pela insanidade dos filhos de Belial e, de forma assombrosa, golpeou inúmeras vezes até desmembrar o corpo de quem um dia possuiu. Separou o corpo em doze pedaços, voltou ao celeiro e pegou vários trapos e os levou para casa. Guardou cada pedaço de Mikhayah, deixando-os bem embrulhados. Escreveu doze cartas, cada uma delas contava tudo o que aconteceu na noite em que a concubina morreu. No final de cada carta ele deixou seu depoimento de remorso.
Ponderai isto, considerai tudo e falai sobre isto para todos.
Amarrou cada pedaço do corpo em seu cavalo, montou no animal sem levar consigo mais nada além do que um dia foi a jovem Mikhayah. Cavalgou até chegar ao templo de Efraim e lá jogou aos pés dos sacerdotes um dos pedaços da concubina. O levita voltou para a estrada e cavalgou sem parar, sem descansar, sem comer e sem beber. Cruzou toda província passando de tribo em tribo, de templo em templo, deixando em cada uma das cidades um pedaço de Mikhayah. Antes mesmo de terminar o seu percurso, as pessoas falavam umas para as outras sobre o viajante que desmembrava corpos. Asher já estava na boca de todos, em cada canto se falava do homem que levava consigo pedaços de sua mulher. Em Belém, um comboio de sacerdotes foi até a casa do pai da jovem Mikhayah. Entregaram-lhe o pacote deixado por Asher na porta do templo. Quando o pai da concubina abriu o trapo, deparou-se com a cabeça de sua filha. O velho caiu de joelhos, gritando e amaldiçoando o homem que levou sua única coisa valiosa, a vida de Mikhayah. Em cada lugar o medo foi instalado, uma balbúrdia fora criada. Asher ainda cavalgava por dia e noite para entregar os últimos pedaços de Mikhayah. Depois de ter rodado as onze tribos Asher chegou a Manassés, onde fama do viajante que desmembrava pessoas já tinha chegado. Ao entrar na cidade, foi hostilizado pela população que o recebeu a pedradas. Mesmo assim conseguiu jogar o último pedaço no templo. Ao tentar sair, foi alvejado por uma flecha em suas costas. Homens e mulheres da cidade corriam para as ruas no intuito de matar o homem que criou tamanho escândalo, que se espalhou pelas tribos. Outra flecha foi lançada acertando novamente as costas de Asher, que quase caiu de seu cavalo. O levita coseguiu sair da cidade antes que os moradores o capturassem e o matassem. Cruzou os montes de Gerizim até entrar nas regiões montanhosas de Efraim, percorrendo pela mata até chegar às suas terras. Desceu do cavalo e viu o corpo de Dror em estado de decomposição, servindo de alimento para os corvos. O levita caiu de joelhos na porta de sua casa. Debilitado e ferido não teve forças para entrar, caiu com o rosto em terra, sem poder se mexer e sem poder gritar. Estava agonizando ali mesmo na porta, com a memória do lindo rosto de Mikhayah. Alguém estava vindo em sua direção. Sua visão estava embaçada, não dava para distinguir quem era além de uma simples silueta. Tentou falar, mas não conseguiu.
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Os Gritos Dos Que Não Dormem
Mystery / ThrillerEm uma época dominada pela maldade e perversão. Uma concubina se vê presa em uma vida cheia de turbulências. Depois de cometer o pecado do adultério sua única alternativa é fugir!