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A última coisa que você se lembrava era de estar bravo. Você estava muito bravo, realmente tão bravo que ignorou completamente a possibilidade de torrar ele na chuva – Se levasse em consideração sua quirk e a sua raiva, as chances disso acontecer eram altas, mas você não ligava pois você estava muito bravo. Além disso, você se lembrava de quando pulou em cima dele, as pernas segurando com força sua cintura enquanto suas mãos usavam ainda mais força para se firmar em seus ombros.

Você não sabia o porquê de estar em cima dele, mas você sentia tudo com muita intensidade agora, quando ele caiu machucou seus tornozelos e ralou a palma de suas mãos. Estava ardendo mas você tinha amortecido a queda, ele não tinha batido a cabeça e os fios arroxeados estavam completamente encharcados, ainda mais agora contra o chão. Suas roupas estavam grudando e era desconfortável contra a pele.
Um arrepio percorreu todo o seu corpo quando você encarou os olhos dele. Aqueles olhos, os olhos de Shinso Hitoshi, seu melhor amigo a três anos e paixão secreta a dois.

Você sentiu seu ouvido esquerdo tampar e ficou com uma agonia imediata, pois odiava a chuva. Foi então que essa sua raiva e o ouvido tampado te lembraram que você estava muito bravo, e deveria ficar ainda mais bravo ainda pois foi ele que tinha te feito sair na chuva, e ele sabia melhor do que ninguém como você odiava a chuva. E mesmo que você sentisse que deveria bater nele, berrar com ele, e brigar com ele por não ter te dado nenhum sinal, por não ter falado com você a semana toda, por ter te ignorando e evitado de forma tão óbvia, você não conseguia e se sentia menos capaz ainda ao continuar olhando nos olhos dele.

Ele estava em silêncio, você estava em silêncio, e a chuva estava forte e violenta, as árvores se balançavam com força e a única fonte de calor que você tinha era o corpo dele, o que não estava servindo de muita coisa já que ele estava tão encharcado quanto você. Você queria que ele falasse algo, que ele se desculpasse, então ele sorriria e tudo voltaria ao normal, vocês poderiam voltar a ser os melhores amigos de sempre e tudo estaria certo de novo.

Voltar a ser melhores amigos, que piada. Você desviou o olhar do dele, a palma das suas mãos ardiam e os seus olhos também. Seu rosto estava esquentando e você sentiu o choro, vocês nunca voltariam a ser melhores amigos, você nunca mais iria virar noites a falar com ele e estar completamente revigorado pela manhã – porque falar com ele era revigorante.

Você não queria mais olhar nos olhos dele, você não queria sentir a desaprovação, você não queria ver morrer o sorriso que te custou tanto a conquistar. Você sentia medo, medo de olhar para ele e encontrar nos olhos dele uma verdade que você não queria acreditar, a verdade sobre ele não te amar de volta. Você não queria acreditar, porque se ele não amasse você de volta, estaria tudo acabado.
Infelizmente vocês estavam ali e você já estava chorando e sua mão estava ardendo ainda mais – você sempre foi chorão, o machucado só o impulsionou a ir aos prantos. Você estava com ainda mais medo e mais frio, medo de nunca mais ver o sorriso carinhoso pela manhã quando você dormia na casa dele, medo de nunca mais ouvir o "bom dia" arrastado e sonolento – porque você sabia que se dependesse dele, vocês passariam o dia todo a dormir. Você estava com medo de nunca mais caminhar para a escola e compartilhar um único fone de ouvido e uma música, pois qualquer música se tornava de vocês naquele momento. Você nem se importava com a partida ou a chegada, era tudo sobre o caminho, caminho esse que você nunca mais compartilharia com ele, porque ele não te amava de volta.

Ele. Não. Te amava. De volta.
Ou assim você pensava, até sentir a mão dele em sua bochecha e ouvir a voz rouca dele perguntando por que você estava chorando, mas você estava tão triste e tão irritado que as palavras apenas escaparam sem permissão.
— Porque você não me ama de volta. – você disse com um soluço sôfrego, esfregando um dos olhos com o dorso de sua mão. Seu tom era quase desesperado.

E você achou que estava preparado para qualquer coisa, menos para a resposta que teve, isso é, se você pudesse chamar uma risada de resposta. O riso teria te prendido num monólogo sobre como aquela seria a última vez que você ouviria sua risada se ele não tivesse continuado:

— Mas Denki, eu te amo.

Você olhou nos olhos dele e o que viu lhe assustou ainda mais. Era carinho, era conforto, era o roxo vivo que você via sempre, o roxo que podia ser tão expressivo quanto era misterioso, o roxo que lhe esperava todas as manhãs na porta de sua casa apenas para que você não se atrasasse, o mesmo roxo de sempre, nada tinha mudado. E você achou que pudesse ser algum tipo de piada de mal gosto ou alucinação – já que você poderia muito bem ter batido a cabeça. Você se perguntou se realmente nada tinha mudado naquele roxo quando a mão que estava em sua bochecha vagou para sua nuca e você pode adivinhar o que vinha a seguir.

O beijo não foi intenso, profundo, forte ou desesperado como você achou que seria. Hitoshi te beijou com carinho, os lábios dele tocaram os seus como a coisa mais natural do mundo e embora fosse apenas um beijo superficial, pra você significava o próprio mundo.

Você lembrava de estudar em artes o que o amarelo e o roxo passavam quando usados juntos. Era harmonia, equilíbrio e, embora você quisesse falar que foi isso que você sentiu, não era o sentimento que se sobressaía quando as línguas finalmente – finalmente – se tocaram. Era como se ambas as cores, amarelo e roxo, explodissem com força em todas as direções, pintando desgovernado e explorando todos os lugares, como se estivesse esperado sua vida toda por aquilo. Assim era como você se sentia, como se você estivesse esperado sua vida inteira por aquilo e cada momento, cada segundo, minuto e hora valia a pena para tê-lo ali, acariciando sua nuca.

Você queria passar o fim da sua vida nos braços dele e você achou que seria muito viável já que tinha esperado tanto tempo assim para estar ali, mas infelizmente, você teve que o soltar, saindo de cima dele com calma e deitando ao lado dele na chuva. Você ouviu nitidamente um trovão ao fundo e descobriu que seu ouvido tinha desentupido, você colocou as palmas das mãos contra o chão e elas já não ardiam mais.

Hitoshi estava com o rosto escondido entre os dedos, cobrindo um riso em meio a lágrimas quando finalmente desabou. Ele estava tremendo, e você conseguia sentir mas não sabia se era pela chuva, pelo momento ou pelos dois. Você só sabia que ambos precisavam de um tempo para finalmente voltar, então decidiu deixar ele mais um pouco e conseguiu ouvir baixinho, abafado:

— Eu estava com tanto medo, eu estava tão assustado. Eu esperei tanto tempo pra fazer isso... se eu soubesse que seria tão simples... – Suas mãos não saíram de seu rosto nem por um segundo, ele estava tão desacreditado quanto você.

Você voltou a chorar ouvindo a confissão dele, nada voltaria a ser como antes e você nunca achou que gostaria tanto dessas palavras.
Cada parte daquilo fez valer a pena o resfriado de três semanas que lhes manteve separado, mas o reencontro fora caloroso, cheio de faíscas e lágrimas.

Parecia que você tinha esperado uma vida para amar Hitoshi Shinso e você nunca esteve tão feliz.

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Finalização e Notas do Escritor.


Publicado em 2 de setembro de 2020, horário não especificado.
Última revisão em 29 de janeiro (2021?), 15:52.
Última edição em 20 de fevereiro de 2023, 15:38.

Bom dia, boa tarde ou boa noite, dependendo do horário em que se encontra lendo isso.
É um trabalho antigo pelo qual eu ainda seguro um bocado de carinho, feito como um presente para alguém que me foi uma amiga querida. Não está com um beta 100% pelo que eu me lembro, mas eu não pretendo fazer nenhuma outra edição com peso, a finalização estava deplorável e só por isso decidi abrir os arquivos mais uma vez.

Sinta-se a vontade para favoritar a história, e até comentar se eu tiver te inspirado a tal.
para todos que leram até o final, bom, eu agradeço o gesto, e espero que a escrita de quando eu tinha 14-15 anos não tenha deixado muito a desejar.

Born to love you | ShinkamiOnde histórias criam vida. Descubra agora