Naquele ano, maio foi um mês em que a maior parte do tempo o céu permanecia nublado. O vento frio e úmido era constante, incomodando não só pelos assobios agonizantes, mas também por atacar os ossos como agulhas finas. A lua, com seu olhar melancólico, abria passagem entre as nuvens dando um desagradável tom sombrio. As noites eram tão frias, que nem mesmo as lareiras eram capazes de aquecer.
Não era de se espantar que nesta mesma época surgira uma inquietação por meio do povo. Boatos que corriam pela boca miúda, meros mitos sobre um lunático que rondava pela propriedade dos Ivanovith.
Edgar Ivanovith, o último dos Ivanovith, era um jovem e influente no ramo de vinhos. Teve seu ceticismo aparente jogado por terra, quando em seu escritório repousava aquecido. Acomodado confortavelmente em sua poltrona aveludada de cor rubra, foi arrancado de sua leitura noturna por um barulho medonho. No início apenas galopes de um cavalo, talvez algum baio que se livrou do estábulo pelo cocheiro, que era comum. Mas logo em seguida o galope se mesclou a um agoniante uivo soturno, o qual fez o peito de Edgar esmagar-se de temor e o estômago revirar. Alto e forte demais para um cão qualquer, por maior que fosse. O uivo vibrou pelo corpo do burguês, paralisando-o e deixando-o em um estado de pânico, incapaz de se mover.
Seu pavor só veio a deixar-lo quando as portas de seu escritório foram abertas com fervor, por um vento que apagou as chamas das velas sobre o castiçal da escrivaninha. Anna estava pálida, era a filha mais velha de seu mordomo, qual Edgar tinha um profundo carinho. Sua chegada repentina o livrou de sua paralisia, mas sua face ainda abalada, transbordava pavor em seus olhos amarelados e arregalados. Ao notar a chegada de Anna, se recompôs, voltando para sua clássica e elegante frieza.
- Senhor Ivanovith, está tudo bem? - Edgar se perguntava como Anna possuía tamanha força, que nem se quer tinha traços de pânico pelo horripilante uivo que se repetia. Pelo contrário, seu rosto refletia apenas uma preocupação que a levou ao escritório com tamanha euforia. Até mesmo ele havia fraquejado diante da situação. Seria ele um fraco? Edgar se questionou em um curto devaneio.
- Sim, sim - respondeu ele, acalmando suas emoções - Não se preocupe, foi apenas uma fadiga momentânea. Que se trata esse barulho repugnante?
- A fera está rodeando a propriedade.
- Seria capaz um cão emitir tal som? - perguntou ele a si mesmo em voz alta.
- Pois não se trata de um cão Senhor ... - Anna conhecia Edgar o suficiente para saber que não era o tipo de homem que acreditava em meros mitos urbanos sobre criaturas sobrenaturais.
- Bobagem Anna, os humanos ... digo, os homens criam lendas para as coisas que não compreendem, mas não passa disso. É algo que não compreendemos, não fruto do sobrenatural.
- Mas é um lobisomem Senhor!
- Anna ... - Ele afagou seu rosto com as mãos frias - lobisomens? Se deixar acreditar nestas coisas, logo acreditara que vampiros também existem.
Anna permaneceu calada.
- Acredito que seja um canino de grande porte, talvez um lobo atroz que corre pela propriedade. De qualquer forma, tenho que resolver essa situação antes que algum de vocês seja ferido ou que ele acabe matando um de meus baios.
- Acredito ... - começou Anna - que eu saiba quem poderia te ajudar ...
Antes que Edgar pudesse questiona-la, o seu cocheiro branco como cera, adentra o escritório aflito. Um dos baios havia sido atacado e estava morrendo. Edgar e Anna se apressaram em direção ao estábulo. Assim que saíram pela porta da frente do casarão, Edgar envolveu Anna pelo braço, em uma forma de proteção. Anna havia notado que ele estava atento, olhando para cada projeção de sombra ao longo do jardim, como se procurasse a fera. Quando chegou ao estábulo a cena era pavorosa. O forte cheiro de sangue e o rastro se estendiam dos portões até a baía, e o cavalo estava destroçado de uma forma brutal, mas era forte e se mantinha vivo. Edgar se aproximou com um olhar triste ao ver uma criatura tão bela e leal em uma situação tão deplorável. Com uma das mãos afagou o pescoço do animal e em seguida o torceu para que ele não sofresse mais.
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O Conto de Maria
General FictionMaria é uma caçadora de recompensas habilidosa, forjada pelo seu passado. Nesse primeiro conto, Maria é contratada pelo misterioso burguês Edgar Ivanovith, na esperança que ela descubra a real criatura responsável por uma serie de ataques. O que el...