II - Rainha sem reino.

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- Pela malditos deuses! - Exclamou Bronwen, garantindo um olhar de reprovação de Glennis.

Não que Manon tenha percebido tal coisa.

A exasperação de Bronwen foi o que a retirou de seu agora rotineiro transe. Ela focou a atenção na prima - que segurava sua vassoura em uma das mãos e ou embrulho de papel na outra -, imaginando que, o que quer que viesse da boca dela a seguir, não podia ser pior do que a situação que ela estava passando.

Estava alojada no vilarejo de Glennis. Adoráveis casas com jardins cujas flores Abraxos cheirava sempre que descobria uma oportunidade. Era adorável e confortável, e abrigava suas bruxas e bruxos aliados, mas não era o que Manon queria. Ela havia prometido às suas doze as terras desérticas, afinal. Ela havia prometido para seu povo.

Pouco tempo atrás, ela jogou o manto da realeza sobre seus ombros, parcialmente ciente do quanto sua realidade mudaria.

Deu certo. No cenário da guerra, a participação das bruxas fora primordial para segurar as rédeas no campo de batalha. E, com sua conquista, muitas crochan a seguiram para as garras do incerto. E muitas não retornaram. Manon pensava nelas com mais frequência do que deveria. Em todas elas.

Mas ainda restavam muitas crochan espalhadas por Erileia e pelas terras esquecidas por qualquer deus, morando escondidas abaixo da terra ou no alto das nuvens.

Manon só tinha noção das que estavam com ela.

A rainha das bruxas tinha o apoio de parte das Dente de Ferro - as bruxas Sangue-Azul e algumas Bico-Negro cujo bom senso prevalecera -, e das bruxas crochan que sobreviveram e decidiram seguí-la.

Tanto e nada ao mesmo tempo que Manon tinha vontade de arrancar os cabelos e rasgar seu próprio rosto com suas unhas.

- Recebi uma carta de Wettos - disse Bronwen, como se isso explicasse tudo. Ao olhar para o vinco entre as sobrancelhas das duas parentes à mesa de madeira, ela prosseguiu: - Um bruxo que conheci na Ponta Oeste.

As bochechas dela coraram.

Manon piscou para não revirar os olhos.

- O que diz? - Glennis acenou para a carta enquanto tapava a boca com a outra mão para não rir da sobrinha corada.

Manon queria sumir.

No entanto, o olhar que sua prima lançou para Glennis fez a bisavó fechar a expressão de imediato.

Manon ficou tensa ao perceber que elas estavam conversando por olhares, de um jeito que apenas pessoas unidas há bastante tempo conseguem. Do jeito ela costumava fazer com Asterin.

Glennis foi a primeira a pigarrear, mas foi Bronwen quem tomou a iniciativa:

- Os bruxos das Pontas Norte e Leste não pretendem seguí-la.

Estava demorando.

- Eles dizem que não se curvarão ao demônio branco e mestiço que foi coroado.

Manon manteve sua expressão neutra, embora seu estômago estivesse preste a cair aos seus pés.

As Pontas dos desertos eram grandes clãs comandados pelos melhores bruxos de cada região. Manon havia aprendido que a Ponta Norte era controlada pelo bruxo mais inteligente; a Ponta Sul, pelo mais ancião; a Leste, pelo mais digno e a Oeste, pelo mais poderoso. Todos crochan.

Cada Ponta era governada particularmente, mas em todas elas havia bruxos e bruxas que testemunharam eras de perseguição das Dentes de Ferro. Bruxos e bruxas que viram seus entes perecerem nas mãos de um inimigo cujo sangue corria nas veias da bruxa que usava a coroa de seus povos.

- E o que disseram as outras duas pontas? - Manon finalmente disse.

Bronwen não havia dito nada sobre as Pontas Sul e Oeste.

- Elas ainda não se pronunciaram. Wettos não tem certeza se o farão.

Neutras, então...

Nada mais que covardes.

Seria mais fácil se ela apenas sentasse a bunda em um trono e os bruxos viessem a ela. Mas nesse continente, as coisas não funcionavam dessa forma para jovens rainhas. Não fora assim com Aelin. Não seria com ela também.

Ela era Manon Bico-Negro. Jamais conseguira algo sem lutar com unhas e dentes de ferro. E ainda assim, uma parte dela gostaria que fosse diferente dessa vez. A parte que estava farta de tais lutas.

- Isso é tudo? - Manon ousou perguntar.

Glennis e Bronwen trocaram olhares novamente. Expressões cautelosas.

- O que foi? - Manon explodiu, olhando de uma para a outra.

- Acreditamos que Ponta Leste e Oeste aguardam uma demonstração da sua magia crochan, Manon. Assim como as crochan remanescentes.  

E aí estava. Seu mais novo pesar. Ela não tinha magia. Certamente corria em seu sangue, mas ela não sentia nada. Nadinha mesmo. Nada além de dentes e unhas de ferro. Sequer podia amaldiçoar qualquer coisa - a Deusa sabia o quanto isso seria divertido.

Mas ela não sentia, do mesmo jeito que não sentia muitas coisas.

- Manon, a magia de uma rainha crochan desperta em um momento de descobrimento, geralmente quando se é bruxinha. A magia pura vem com a inocência. Como você foi - um pigarreio - criada de um jeito diferente, e... bem -  Glennis suspirou - e como está passando por um momento difícil, receio que essa tarefa não esteja em nossas mãos. Sequer sei por onde começar do modo correto.

Descobrimento. Inocência. Coisas que ela jamais teve na Infância. Se é que ela podia dizer que teve uma.

Manon estava tão tensa quanto a vassoura nas mãos de Bronwen, que se intrometeu:

- Mas há alguém que já fez isso antes - ela apertou o cabo da vassoura até que os nós de deus dedos estavam brancos - ele é o único que pode ajudá-la.

Ele. Um bruxo.

- Diga quem e será feito.

Glennis e Bronwen entreolharam-se novamente, antes de dizer, em uníssono:

- O líder dos bruxos da Ponta Oeste. Dellias Ludvrok.

Até o reivindicar da escuridãoOnde histórias criam vida. Descubra agora