Estou petrificado. Sem mais impulsos de ataque. É terrivelmente cruel ter que lutar contra seu melhor amigo. Somos escravos, talvez seja esse o motivo de nossas vidas serem desgraçadas. Depois que eu matei o filho do patrão, eles podiam ter me chicoteado até a morte. Podiam ter arrancado meu pau e jogado aos porcos. Podiam ter me queimado com ferro quente. Ou até cortado minha língua. Mas não ... Resolveram me forçar a matar meu melhor amigo. O único escravo que veio comigo do Engenho Das Tabocas, o único homem em quem confio. Agora estou no chiqueiro da casa grande. Os porcos estão soltos no mesmo lugar, mas acuados com medo. Vejo meu melhor amigo, com parte da coxa em carne viva, um pedaço de pele ainda pendurado. Muito sangue. Uma rasgo da têmpura até o queixo, passando pelos lábios. Ele é mesmo durão, ainda está segurando a adaga. Ofegante, olho para meu pé direito e vejo uma grande poça de sangue, mistura à lama do chiqueiro. Meu melhor amigo cortou três dedos do meu pé. A minha adaga também está na minha mão. Não existe glória alguma nisso tudo. Não somos gladiadores, nem soldados treinados. Não temos uma espada afiada, tampouco uma armadura. Nossos corpos estão completamente nus e nossas adagas estão velhas e enferrujadas. Isso torna as coisas mais difiicies, pois se eu tivesse uma arma bem amolada, partiria a carne dele com facilidade e acabaria com o sofrimento. Por fim, chego a conclusão que sou incapaz de matá-lo. Ajoelho-me na lama. Ouço risos da assistência. Meu amigo está chorando, parado na mesma posição. Sorrio pra ele. Vejo a sombra do capataz atrás de mim, erguendo o machado. Inclino a cabeça para chão e vejo a sombra do machado descer sobre minha nuca. Senti um corte gelado, muito rápido.
