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Voltei ao meu trabalho, e a velha ao dela.

Fiquei tentando encontrar alguma explicação para aquilo tudo, enquanto passava o espanador lentamente entre os objetos.

Se o que havia acontecido antes não era um sonho, então...

No meu sonho alguém me agarrou por trás e me apagou, mas a questão era: o que havia acontecido depois?

Afinal, era outro dia... Certo?

Eu já não sabia mais. Alguma coisa estava muito errada por ali.

- Seu tempo está acabando, mocinha. - disse a velha, me tirando dos meus devaneios.

- Como? - eu perguntei, sentindo muito medo do que aquilo poderia significar.

- Está quase na hora de você ir embora. - ela respondeu sorrindo.

- A-ah. Certo. - concordei - Eu já estou quase acabando...

Ela sorriu mais uma vez e me deu às costas.

Fiquei parada por um momento, analisando a situação e me sentindo completamente confusa.

Terminei rapidamente de limpar o restante de prateleiras que faltavam e então fui até o balcão para guardar o espanador, mas a velha havia sumido dali.

Me inclinei sobre o balcão para ver o lado de dentro, mas ela também não estava ali.

Pensei bem. Talvez aquela fosse a minha chance de ir embora dali e nunca mais voltar. Eu ficaria sem meu pagamento, é claro, mas era melhor ficar viva, e meu instinto me dizia que eu devia sair dali o mais rápido possível.

Fui até a porta e girei a maçaneta, mas ela estava trancada.

Fiquei completamente apavorada com isso.

Ainda estávamos em horário de funcionamento, então a porta não devia estar fechada.

Olhei em volta à procura de alguma chave, ou de alguma outra coisa qualquer que pudesse abrir aquela porta.

Corri para o lado de trás do balcão e procurei ali, mas não havia chave e até mesmo o bastão que ficava ali havia sumido.

- Procurando isso? - a velha perguntou atrás de mim.

Ela estava segurando o bastão em suas mãos e uma chave estava pendurada em seu pescoço por uma correntinha.

Me levantei com os olhos arregalados e senti meu corpo travar.

- P-por que a porta está trancada? - perguntei - O que está acontecendo?

- Não se preocupe querida. Se você colaborar, não vai doer nada.

A velha se aproximou de mim e eu me preparei para lutar, ou para fugir, o que fosse melhor.

- O quê não vai doer? - perguntei - O que você quer?

- Quero apenas viver. - ela respondeu, dando mais um passo em minha direção.

Não entendi o que ela estava tentando dizer e fiquei ainda mais confusa quanto ao que estava acontecendo ali.

Percebi que ela estava me encurralando entre ela e parede atrás de mim, então pensei rápido e pulei o balcão, mas dei de cara com ela do outro lado.

- Eu disse para você colaborar. - ela falou, erguendo o bastão.

Reagi bem a tempo de fugir do seu golpe, que acertou o chão, fazendo uma rachadura no piso escuro.

Soltei um grito de susto e corri para as prateleiras, tentando escapar da velha, mas mais uma vez ela apareceu bem na minha frente.

- Vamos, minha jovem. Eu já disse que não precisa se preocupar. Você não vai sentir nada.

Cambaleei para trás, peguei a primeira coisa que estava ao alcance das minhas mãos e joguei em direção a ela, acertando-a em seu peito.

A velha apenas olhou para baixo, onde o objeto havia caído, e sorriu ainda mais.

- Tudo bem. - ela disse - Isso vai ser divertido.

Ela veio atrás de mim e eu corri para o único lugar onde eu talvez encontraria algo que pudesse me ajudar.

Subi as escadas dois degraus de cada vez e comecei a correr em um corredor. Abri a primeira porta que encontrei e dei de cara com um cômodo que eu nunca esperaria ver.

Era um quarto grande, mas tão escuro e abafado quanto à loja. Havia objetos estranhos por todo lado também.

Uma grande estátua estava no centro, vários símbolos estranhos estavam pintados nas paredes, um pedestal carregava um livro grande em frente à estátua, e algumas velas estavam espalhadas pelo chão.

Minha mente só dizia: fuja. Mas não havia para onde fugir, pois aquele quarto nem mesmo possuía uma janela.

Nesse momento a velha entrou atrás de mim e eu me vi sem saída.

- Pare de tentar fugir. - ela disse - Você veio até mim como um presente divino. Agora aceite seu destino.

- O que isso quer dizer?! - gritei - O que quer de mim?!

- É muito simples, querida. - ela respondeu - Este corpo já está velho e se deteriorando, por isso eu preciso de um corpo jovem, como o seu.

Dei dois passos para trás, mas esbarrei no pedestal e me segurei nele para não cair.

- Não se preocupe. - ela disse, como se tentasse me acalmar - Você não vai morrer, mas infelizmente terei que prender sua alma em algum dos objetos da loja. Posso até deixar você escolher um deles.

- Não. Por favor... - eu implorei, tentando manter a distância entre nós.

A velhinha sorriu abertamente, mostrando os dentes e se aproximou mais. Eu estava encurralada e não havia mais como fugir.

Nesse momento algo inesperado aconteceu.

Uma leve brisa entrou pelo cômodo, apagando todas as velas e fazendo o sorriso da velha se desmanchar.

Ela virou de costas para mim e encarou a porta, onde, de repente, apareceu uma moça.

Pisquei os olhos para ter certeza do que estava vendo, mas realmente era real.

A moça não era uma moça normal. Ela era quase transparente, como um espectro, e era exatamente igual à bailarina da caixinha de música.

O espectro fez uma careta de raiva e se aproximou da velha, que parecia tão assustada quanto eu.

Respirei fundo e tomei coragem. Aquela era a minha chance.

Rapidamente tirei o bastão das mãos da velha e não esperei que ela reagisse. Assim que ela se virou para mim eu acertei-lhe um golpe no rosto com toda a força que eu tinha.

A velha caiu no chão e eu, numa onda de adrenalina, peguei a chave de seu pescoço e corri.

A fantasma bailarina me deu passagem e eu lhe dei uma última olhada antes de correr escada a baixo.

A bailarina sorriu amigavelmente para mim e eu fui embora, correndo pelas ruas com toda a força que tinha nas pernas, colocando a maior distância possível entre mim e aquela loja, jurando nunca mais voltar para aquele lugar.

Antiquário Ouroboros - O ContoOnde histórias criam vida. Descubra agora