AGOLFADA DE OURO
Morada de colossais montanhas de gelo e cavernas alvas e labirínticas, Belmonty consumia-se sob uma grande desgraça em seus primeiros anos.
A maior e mais poderosa moléstia abatia seus habitantes, tirando-lhes a visão, audição e tornando-os nanicos, como crianças. Até parte de seus animais degenerava, até mesmo suas árvores Matracas e suas Espinheiras de Sal, tornavam-se troncudas e pequeninas.
Ninguém sustinha qualquer certeza em relação à origem daquela praga, o que os pormenores diziam, era que por ser um povo demasiado narciso, invejoso e hostil, uma força superior gozava-se em punir os belmontinos, dando-lhes uma lição que motivaria o símbolo daquele distrito.
Grande parcela do povo definhou, morrendo de fome por não mais conseguir caçar, sem a visão; sendo lacerados por suas antigas presas, sem sua audição para atentar ao perigo; ou mesmo tropeçando em seus pés palmados e nodosos de anão, caindo precipícios a fundo.
Embora todas as desgraças caídas sobre Belmonty, milagrosamente alguns de seus habitantes, chamados Calígulas, detinham uma espécie de antígeno natural contra a praga que assolava todas suas planícies geladas. Atacados pela moléstia, como resultado, ficavam pequeninos, porém ganhavam, como em um efeito adverso à doença, uma capacidade descomunal de raciocínio e telepatia.
Logo, estes seres especiais se aventuravam a prover os demais desafortunados, trazendo-lhes comida, guiando-os pelas gélidas vastidões de seus morros ou protegendo-os dos predadores: lobos albinos, hienas redondas e castores brancos – os roedores mais hábeis e maquiavélicos dos três maiores distritos da União.
Em uma dessas expedições a procura de caça, um mirrado grupo da família Calígula seguia para o norte dos Vales Velhos da Terra Branca de Belmonty, lá encontravam as melhores carnes e as fêmeas mais saudáveis para seus animais.
Seus passos já somavam cansados e suas costas recheadas com alforjes de couro, gordura e nacos de carne, estralavam pedindo descanso. Entoavam uma canção frágil aos ouvidos, mas valiosa contra o frio que enrugava sua pele. Por sorte ou por algum desvario do destino, avistaram logo a meia légua, uma gruta alva, pequena. Somava menos que quarenta metros de área. Era úmida e escurecida pelo tempo, onde musgos - resistentes à friagem - habitavam suas reentrâncias tornando o teto mais baixo que o devido. Ainda assim era muito mais aconchegante que o frio derradeiro que somava lá fora.
Ao adentrarem pelo arco frontal, depararam com alguns tocos de madeira ainda secos, emaranhados de algodão e uma pederneira rústica, abandonados. Havia também alguns blocos rochosos em formatos oportunos em encaixe, possivelmente deixados pelos antigos aventureiros que ali aportaram antes daquela trupe.
Aproveitando-se dos blocos para barrar a fachada e da pederneira e os artigos inflamáveis, os Calígulas desafiaram a friagem a adentrar por ali e tomar aquele ambiente aconchegante e quente, em assalto. Não conseguiria, estavam muito bem protegidos. Ambos esticaram suas vestes largas de neve, degustaram de sua caça, agora assada e estalante ao fogo e sorveram muito conhaque e chá de lentilha. Enfim, deixaram-se cair em um sono gostoso e revigorante, necessário para os próximos dias.
Ao alvorecer, como de costume, cada um empunhou sua caneca de aveia fria para o desjejum, contudo um das canecas não sustinha os dedos de seu dono, era a maior e mais pomposa das canecas.
“Onde está Calígula Bahr?”, perguntou o mais velho do bando, sem qualquer resposta imediata. Os Calígulas eram cismados, turrões, tementes, enfáticos e drasticamente supersticiosos. A falta de resposta dizia que no fundo todos temiam o acontecido.
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A Golfada de Ouro
FantasyOs habitantes de Belmonty foram assolados por uma praga que lhes retirou a visão, audição e a estatura. Atarracados e sem suas funções naturais de sobrevivência, só lhes resta dividir-se em grupos para propor a sobrevivência dos mais fracos. É exata...