Quem nunca odiou seu vizinho que atire a 1ª pedra

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Sanji era como qualquer trabalhador competente vivendo na realidade capitalista conturbada: prezava tanto suas poucas horas de sono que as considerava sagradas. Seu horário de trabalho geralmente ia somente das 9 as 17 horas, mas muitas vezes ultrapassava desse horário para fazer hora extra e ainda levava parte do trabalho para ser feito em casa. Nesse ritmo, ele ia dormir por volta da meia-noite e acordava as seis e meia da manhã para não correr o risco de se atrasar.

A bem verdade, era um maldito viciado em trabalho e sem vida pessoal. Nisso ele não podia responsabilizar alguém, já que era unicamente culpa sua. O problema era que seu vizinho, que só tinha visto algumas vezes pelos corredores e uma vez durante uma celebração de aniversário do síndico, possuía um costume terrível de ouvir música estrondosa durante a madrugada. Sanji tentou não se importar e até comprou tampões de ouvido, mas parecia que a frequência melódica estrondosa ignorava os tampões e ia direto para o cérebro tamanha era sua intensidade.

Tudo começava as 4 da manhã, quando uma cantora de ópera iniciava seu cântico estridente e gritava num tom tão agudo que era impossível não despertar. A música era tocada por completo, em seus longos e infernais 4 minutos e 30 segundos, depois tudo silenciava.

O inferno recomeçava as 5 horas quando um black metal com vozes guturais e notas distorcidas de guitarras ecoava através da parede que dividia com o quarto do apartamento ao lado. Os sons dessa música eram tão grotescos e indistintos que ele mal conseguia entender a letra. Os cantores poderiam muito bem estar cantando sobre invocações demoníacas ou sobre a vida de uma vaca no pasto e Sanji nunca saberia.

O último, mas não menos insuportável, começava as 6 em ponto e era uma cacofonia de sons da natureza que poderia ser chamado de tudo menos de pacífico. Era uma junção de grasnados de aves, uivo de lobos, barridos de elefantes, guinchos de macacos, cacarejos de galinhas, entre outros sons, tudo ao mesmo tempo.

Como Sanji estava se esforçando para evitar problemas e ser um bom vizinho — tinha saído de seu apartamento anterior devido a intrigas e sabotagens, e um caso que envolveu a polícia — quando suas olheiras ficaram mais escuras do que tinham sido por toda sua vida, ele apenas escreveu uma carta bastante insatisfeita e jogou por debaixo da porta do seu vizinho. Isso não deu o menor resultado, mesmo depois das outras quatro cartas que jogou depois.

Ele então resolveu denunciá-lo para o síndico, pois havia certas regras no prédio que deveriam ser respeitadas. Porém, para sua infelicidade, descobriu que o síndico e o dono do prédio eram amigos desse tal vizinho e nada foi feito. O síndico ainda deu a ideia de Sanji mudar de andar ou até mesmo de prédio — o dono daquele prédio tinha um outro e facilitaria a mudança.

Foi por pura pirraça que Sanji permaneceu onde estava. Se por acaso acatasse isso, sentiria como se tivesse fraquejado diante a primeira dificuldade que apareceu em sua nova moradia. Sentimento esse que fora alimentado pelos anos de competitividade com quatro irmãos e que acabara por se tornar parte de sua personalidade.

Se tinham sugerido que Sanji fosse embora, então ele faria exatamente o contrário. Iria ficar cara a cara com seu vizinho para resolver a situação.

Como não sabia o horário que o dito cujo chegava em casa, optou por ficar atrás da porta e esperar alguma manifestação sonora vinda do corredor. Quando chegou do trabalho, largou a pasta com os documentos que revisaria mais tarde, comeu um jantar rápido e ficou de guarda do lado de dentro da porta, atento a qualquer barulho.

Sua oportunidade surgiu por volta das 23 horas. Cochilava com a cabeça tombando para a frente quando ouviu o ruído metálico de um molho de chaves passar diante sua porta. Em seguida ouviu a porta do apartamento ao lado batendo.

Maldito vizinho!Onde histórias criam vida. Descubra agora