Fecho os olhos, contorcendo o rosto em uma careta, me concentrando em empenhar força numa atividade tão simples. Quero que sumir seja possível em momentos como esse.
Algumas coisas eu nunca contei, pelo menos não em voz alta. Como o nome dos nossos filhos, que eu já tinha na cabeça desde o dia que ele me pediu em namoro, depois de cinco anos de amizade. Eu não diria nenhuma dessas coisas em um estado normal, mas quando eu o vi saindo quase deixei que as palavras escapassem. Covardia. Eu quero mantê-lo preso à mim.
Eu vou permanecer na cabeça dele por quantos anos? Quem ouvirá falar de mim? Nossas histórias serão contadas ou ele fará esforço para jogá-las no mar do esquecimento? Pior. Ele pode fazer isso sem esforço algum. Fácil.
Talvez esquecê-lo também está fadado ao meu destino, assim como foi conhecê-lo. O meu namoro, embora eu negue acreditar, pode ter sido só mais alguma coisa. Só mais algum acontecimento qualquer. Uma parte sensível de mim vê a louca necessidade de jurar algo bobo: que eu não vou me esquecer.
Você é dramática demais. Característica típica de escritores, sabe? ele diria em tom de piada se ouvisse o que vou contar — mas ele não vai querer. Mais nenhuma de minhas palavras chegarão aos seus ouvidos, quem dirá no coração.
Histórias bonitas também acabam e isso com certeza é algo que eu gostaria que as futuras gerações entendessem. Se eu pudesse, usaria nossa relação de exemplo. Eu também explicaria um pouquinho do que é o amor: daquilo que eu aprendi com ele.
Em algum dia do nosso amor arrebatador que durou menos do que imaginei... Eu saí de casa uma hora mais cedo do que o comum e Ítalo ainda dormia como uma pedra ao meu lado quando o deixei na cama. Tínhamos uma espécie de trato de sempre esperar o outro acordar antes de sair para o trabalho ou ao menos acordar aos beijos para um "até logo" embargado de sono.
Houveram vezes que eu passei por essa mesma rua acompanhada por outros caras, planejando um futuro com outros amores ou sozinha, como agora. Figurativamente sozinha, é claro. Meu coração já não permanece mais sozinho há muito tempo. Se não estou em presença, ele trata de materializar Ítalo ao meu lado. Quando eu era criança conversava com a Bia, minha melhor amiga de infância, sobre casar com príncipes encantados e termos filhos correndo pelas nossas futuras casas, que seriam gigantes. Talvez a minha versão criança ficaria decepcionada se soubesse que troquei o príncipe encantado de Genóvia por um vendedor de loja de departamento com diploma parado, os filhos por dois gatos e a casa gigante por um apartamento minúsculo perto do centro da cidade. Eu, em contraposição, não me imaginava mais feliz. O que mais eu podia pedir? Dormir e acordar ao lado da pessoa que amamos já não é a maior dádiva? Consegui tudo o que sonhei.
O emprego já não é aquelas coisas, mas em épocas de crise, eu não posso reclamar muito: é o melhor que uma estudante de pedagogia com um TCC em andamento pode conseguir. Todo dia de manhã rumo ao cartório mais próximo e organizo as papeladas e arquivos produzidos no dia anterior, antecipo alguns trabalhos dos meus colegas e faço qualquer outra coisa que me solicitam. Dessa vez, eu não fui ao trabalho, consegui uma folguinha que combinasse com o dia de folga de Ítalo. O plano era correr e comprar nosso café da manhã na padaria, as coisas que ele mais gosta: pão de queijo quente, broa de fubá, pão caseiro e um bolinho de limão com cobertura doce.
Diferente do que imaginei, a padaria estava mais cheia do que o comum e eu demorei mais do que pretendia na fila. Quando chegou minha vez, comprei todas as coisas e ainda duas cervejas para mais tarde, quando estivéssemos largados na varanda, só com as roupas de baixo (talvez um roupão, se os vizinhos estivessem em casa)...
Eu devo admitir que tenho o péssimo costume de imaginar finais alternativos para uma mesma situação comum como esta. (1) Um trágico acidente antes de cruzar a porta principal do prédio: um carro com toda a velocidade avança a calçada e me impulsionando para a frente, me esmaga contra a parede de tijolos da casa da esquina. Ítalo ouve, acorda de supetão, não me vê ao seu lado na cama e debruçado na janela, avista o acidente brutal, reconhecendo meu sapato que soltou do pé. (2) Eu subo as escadas do prédio correndo, para chegar mais rápido e abro a porta devagar, arrumo a mesa para o café, coloco de novo o meu pijama largado no sofá da sala e empurro com sutileza a porta entreaberta do quarto. Para minha surpresa, Ítalo está aos amassos com a vizinha da frente, dona Helena, alguns anos mais velha do que nós dois. Não sei se você se interessaria mais se fosse alguma coisa assim. Eu odiei, para falar a verdade: me dou mal nos dois finais alternativos. Porém, o que aconteceu - pasmem - não foi nenhuma das duas coisas.
Eu subi de elevador mesmo, nunca fui muito fã de escadas e pensei na melhor forma de arrumar tudo sem que Ítalo despertasse do seu sono levinho. Eu teria que cruzar o corredor para ir à cozinha, caso quisesse coar o café dele. Estabanada como sou, nunca posso me dar ao luxo de desconsiderar uma possível queda, esbarrar no móvel ou coisas do tipo.
Virei a chave no trinco devagarinho e abri apenas uma frestinha para conferir se podia entrar, uma idiotice: se eu visse Ítalo parado atrás da porta, eu por um acaso fecharia e sairia correndo? Depois de ver a barra limpa, escancarei a porta e vi a mesa toda arrumada para o café da manhã, com as minhas coisas favoritas e "super saudáveis": salgadinhos de festa (que ele deve ter feito na Airfryer), bolo recheado de pote (que deve ter sido comprado no vizinho do lado) e a garrafa de energético no centro da mesa, mas sem o seu cafézinho. Ítalo surgiu do corredor e olhou para mim, sorrindo docemente, o mesmo sorriso que me conquistou há alguns anos. Retribui seu sorriso, com expressão incrédula, do tipo "como você sabia que eu voltaria?". Ele, de algum jeito que a ciência ainda não pode explicar, me leu e respondeu:
— Você não sairia de casa sem me dar um beijo se não fosse voltar.
Larguei as sacolas na mesa ao lado das outras coisas e corri para os seus braços, desejando com todo o meu coração que mais menininhas, como eu e a Bia, encontrassem o amor na mesma intensidade que eu o tinha encontrado.
— Falta coar o seu café. — sussurrei contra a camiseta amarrotada que cobria o seu peito. Em resposta, ele afastou minha cabeça com as mãos e beijou minha testa.
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tudo acaba
Short StoryRelacionamentos bons também acabam. Coisas boas ainda podem ser tiradas deles. Ítalo se foi, mas deixou sua marca, que ela jurou nunca esquecer.