Ó meu Deus, como isso pode ter acontecido comigo? Maldita seja a hora que me deu na cabeça de entrar naquela caverna, desbravando com meu semblante confiante, vontades não minhas. Mas pudera eu, que sempre fui fraco a qualquer aborrecimento criado por meus iguais, e sempre me senti sob a pena pesada de meu orgulho e coragem; pudera eu, saber que depois de tudo aquilo, eu estaria em apuros como esses em que me encontro agora.
Sigo meu caminho, andando trêmulo, e posso pressentir lentamente, aqueles galhos dolorosos agarrarem firmemente meu pulso, com estalos dolorosos. Ainda assustado, suspiro fortemente, a beira do pânico interno, que invade todo o meu corpo, e me faz querer gritar, ao mesmo tempo que o silêncio predomina minha alma.
Me lembro ainda de tempos antigos, onde eu suspirava sob as árvores, que agora são uma maldição para o meu ser, e me causa tanta repulsa, e tanta dor (dor essa, que não posso simplesmente esconder, ou mesmo suprimir) e diante dessas promessas que uma vez carreguei em minha honra, simplesmente se desfazem.
Eu me chamo Sigvart, e venho de uma família plebeia, daquelas que muito comumente passam a vida despercebidas; a vagar pelo tempo e pelas gerações, sem que ninguém faça nada de inesperado ou novo. Mas, se não fossem as palavras de meu pai, que desde que me lembro, me incitou a lutar por meu nome e minha honra; talvez eu não estivesse na situação que me encontro agora, tão perdido e tão afastado dos meus ideais, e da minha própria consciência; pois verdade seja dita a você, que agora lê minha história; a verdade de que nem mesmo eu compreendo esses eventos que assolam minha vida antes, tão comum.
Lembro me ainda, quase que todos os dias, desde que fiz dezenove anos, das coisas que me fizeram felizes por tanto tempo, nesse mundo belo e alegre em que fui criado. Meu pai era um camponês, e costumava arar terra com frequência, desde o nascer do sol, até o entardecer, onde o sol em sua partida perpetua vai embora. Até os meus oito anos, eu me habituava a todos os dias me dirigir ao cercado frente a nossa casa, onde a terra era dourada; sendo banhada pela luz solar, e as pedras mais baixas e enfiadas sob a terra; aquelas que podiam ser grandes como o mundo, e eu só podia ver a ponta, ou podiam ser nada mais do que cacos de pedregulho.
Vivíamos em um campo grande e vasto a beira da estrada de terra, e ao lado oeste havia uma floresta onde as árvores pareciam tombar com o vento do meio-dia, e que durante as manhãs, com a neblina espessa no céu, as árvores que eram tão velhas e grandes, pareciam ser maiores ainda; a copa acima dos troncos grossos, sumia pela manhã e, era belo ver da friagem e do branco puro da bruma, a queda das folhas verdes, pintando essa visão majestosa.
Quando o céu dourava sobre o azul vivo, e a tarde se aproximava, com o chegar do meio-dia, os ventos surgiam, tão potentes, que mamãe costumava dizer que eram os deuses que sopravam o mal do mundo para longe. Eu tentava ver meu pai arando terra pela manhã, pendurado sobre o cercado que dividia nosso quintal imenso da pastagem longínqua de nosso terreno (o quintal era pequeno como um pedaço de nada, mas eu era uma criança, e parecia ser grande para mim, como se o mundo estivesse presente ali, e de fato, ele estava) não que nosso terreno fosse de fato nosso, mas o senhor de nossas terras, para quem meu pai trabalhava, e que mais tarde, percebi que mesmo eu trabalhava para ele; era um campo extenso de trigo.
As manhãs costumavam ser iguais para mim todos os dias, e até os meus oito anos, eu me pus a olhar, distante de qualquer sonho que um dia eu teria. Não éramos pobres, e nem mesmo tristes, vivíamos humildemente e, o nosso trabalho parecia prosperar para a nossa sobrevivência; naquele ponto da minha vida, eu percebi que não precisava de muito para ser feliz; eu existia como a uma árvore longa existe na floresta, que durante a manhã desaparece, mas sei que lá ela está; a minha vida era assim, volta e meia, as pessoas a notavam, outras vezes tão pouco, e para mim estava tudo bem.
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O Conto Das Almas: O Conto de Sigvart
Short StorySigvart, cresceu no campo, filho de um camponês, e uma mãe carinhosa. Ele foi em sua infância um nato observador e pensador sobre coisas que não compreendia, e através do tempo, passou a compreende-las. Mas, ao se deparar com as consequências de seu...