A Esperança

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Estava chegando o dia em que eu teria que partir e deixá-la para trás. Eu não tinha contado isso a ela, uma ação egoísta, mas muito menos dolorosa para mim. Eu sou um tremendo de um covarde que só pensa em si mesmo e esquece que a única pessoa que tenho vai morrer... Virar cinzas na imensidão do espaço. E eu? Estarei entre as estrelas, na nave da minha família, tentando esquecê-la e com total consciência de que aquilo não iria acontecer comigo. Eu teria deixado o amor da minha vida para morrer. 

Hoje à noite iria vê-la, a tomaria em meus braços e o meu discurso para contar a ela sobre a minha partida iria se esvair da minha mente, sendo lembrado apenas no outro dia e isso aconteceria de novo e de novo. Eram esses os meus pensamentos enquanto descia da nave da minha família depois de visitar o nosso futuro lar, já que a Terra, e todo o sistema solar que eu costumava chamar de casa, iriam sumir e, parte de tudo isso, era nossa culpa. Aceleramos o processo de envelhecimento do sol sem perceber. 

Conseguimos viver em um mundo que estava devastado, mas não vamos sobreviver a uma explosão solar, muitos irão morrer. Nossa sociedade parece que deu um jeito de regressar ao passado ao invés de avançar ao futuro, que poderia, de algum jeito, ser promissor. Temos uma hierarquia definida pelo dinheiro que, no meu ponto de vista, é a desgraça da humanidade e é por causa dessa hierarquia que eu não posso levá-la comigo e, mesmo se pudesse, ela não iria querer ir em hipótese alguma. 

Se ela fosse comigo, teria que deixar sua família para trás e, isso, ela nunca faria. Eu nunca pediria para ela se decidir entre o namorado, que esconde o namoro, e a família, que se orgulha dela, tenho certeza absoluta que perderia feio. Ela não ligava para minha casa na hierarquia, não ligava para o meu dinheiro, ela ligava para o que eu sentia: meus sentimentos e os meus ideais, que eram estranhos para alguém na minha posição considerada a melhor de todas por muitos. 
Assim que pisei na Terra, quase extinta, senti o meu coração voltar a ter a esperança dela conseguir passar no nível de inteligência para poder ir para fora desse sistema solar, mas era nessas horas que eu lembrava que ela não tinha acesso a informação, além da escola, que era de péssimo nível, e também não tinha tempo para ler ou assistir algo informativo, o que dificultava tudo. 

Nós não tínhamos futuro, mas por que eu ainda assim queria correr ao encontro dela e enche-la de beijos? Era o grande mistério que eu tenho certeza que vai me acompanhar pelo resto da minha vida, que provavelmente será triste, irei lamentar tanto pela morte dela. Senti os braços de meus familiares me envolverem em um abraço forte e unido e, logo que me soltaram, me encheram de perguntas enquanto adentrávamos o nosso meio de transporte flutuante, era uma nave misturada com um avião e um carro, a mais luxuosa e potente da humanidade. 

Chegamos ao ponto mais alto da nossa mansão e logo descemos à sala para discutimos se estava tudo pronto para a nossa partida, e verbalizar isso era como se alguém esfaqueasse meu coração e, de algum modo, me deixasse olhando a minha própria morte. Estávamos tão avançados, mas não encontrávamos um meio de deter a morte, o maior temor de nossa espécie, nem de deter o envelhecimento do sol que, consequentemente, nos levaria a morte. Quem conseguisse parar a morte teria o universo de agradecimentos. 

Eu não via a hora de sair daquele lugar e ir ao encontro dela, sim, eu preferia estar com ela do que ouvir baboseiras sobre classes inferiores e do casamento que meu pai estava louco para me arranjar, pena que não conseguiria. Sentia muita falta dela e imaginar que sentiria essa falta para sempre acabava com o meu coração já despedaçado. Quando finalmente consegui sair de lá, fui correndo pegar o meu carro fly, que era um meio rápido pelas nossas vias aéreas, e, com sorte, a pegaria saindo da universidade. 

Cheguei à universidade, que não era das melhores, e “escondi” o meu carro fly no lugar que nós sempre marcávamos e que tinha uma ótima vista para a saída da universidade. Olhei no relógio e vi que o fim do período noturno de aulas naquele lugar ainda não tinha terminado, faltavam apenas cinco minutos, odiava esperar. 

AstronautaWhere stories live. Discover now