Ainda é um pouco estranho.
Este mundo ainda é estranho. Continua mudando e mudando drasticamente o tempo todo. Continuamente. Como conseguem acompanhar? Vejo tudo passar em frente aos meus olhos. Toda a informação. E ainda não entendo como funcionam os humanos. Por que os humanos se esforçam por um pedaço de terra? Ou uma por uma pessoa qualquer?
Não faz sentido.
Caí neste planeta há trinta e cinco anos, e ainda estou na reentrada.
Acabei por ficar em uma cidade grande. Um lugar com muitos humanos. Talvez me ajudassem a entender a essa raça fascinante. Era uma bela capital para uma grande nação, realmente bonita no final do ano, isso jamais poderei negar. Com neve caindo e o ar frio. Mesmo que sua linda ponte no centro da cidade tenha sido destruída por umas explosões de origem desconhecida no ano passado.
Da plataforma superior do terminal central, eu podia toda a President Avenue, com dezenas de prédios e luzes as margens da rua. O barulho dos milhares de veículos, como carros e ônibus quase atrapalhavam isso. Porém, tudo isso era ínfimo. Era hora de voltar para casa. Não minha casa de verdade, no meu planeta natal. Essa não existe mais, depois que Leviat entrou em colapso. Provavelmente deve estar embaixo de um rio de lava nesse momento. Contando que sobrara algo do planeta. Falo da casa abandonada que eu encontrei ao chegar aqui. Tomei-a para mim, para minha habitação. Era melhor do que ficar à mercê do clima na rua e não acho que dará por falta.
Comecei a andar pela entre as pessoas que caminhavam para um lado e para o outro. Não olhavam para o lado. Essas pessoas estavam sempre indo e olhando para frente, como um dubiran, uma montaria que meu falecido pai possuía. Usavam uma tira de couro ao lado dos olhos fazendo-os olhar somente para frente.
Nunca compreendi como havia pessoas que ajudavam os outros de forma tão automática, natural. Era um acontecimento realmente simples, entretanto diversas outras pessoas não faziam o mesmo. Eram mesquinhas e egoístas. Uma mesma espécie podia variar tanto em comportamento? Isso era possível?
Pelo jeito sim.
Gritos longínquos chegaram até meus ouvidos. Vinham de um beco mais distante, e bastante escuro, é possível dizer, porém, eu conseguia ver claramente. Quatro seres humanos machos e uma fêmea. Ela estava prostrada ao chão, contra a parede. Lágrimas escorriam dos seus olhos. Aproximei-me para poder observar e ouvir melhor.
— Ei gatinha! Não chore. Talvez a gente seja carinhoso! Haha!
— Me deixem! Por favor! O que eu fiz para vocês?! – aos prantos a garota exclamava.
— Fica aí andando a noite se achando a lindona. Vamos ver se é tão linda assim sem todo esse pano preto te cobrindo. Haha!
— POR FAVOR! ALGUÉM ME AJUDE!
Me ajude. Socorro. Ela tinha medo. Aquele grito de desespero ligou meus instintos. Meu corpo moveu-se sozinho. Meu coração estava disparado e irregular.
— Poderiam soltar a garota. Ela não parece estar gostando. E não acho que ela permitiu que vocês a tocassem.
— Agora pronto. Um mendigo barbudo. Cara, você pode participar com a gente.
Eu conseguia ouvir o sussurro dela pedindo socorro. Quase sem forças para falar.
— Ei mendigo. Olhe para mim quando eu falar com você, filho-da-puta!
— Desculpe, mas minha mãe jamais prestou tais serviços por toda sua vida.
— Estou impressionado – creio que se tratava do alfa do bando.
Ele correu em minha direção, provavelmente para me agredir. Porém antes mesmo pudesse concluir sua intenção agressiva, já havia afundando seu nariz para dentro do crânio. Ele se ajoelhou e tentou estancar o sangue que jorrava do nariz. O outro macho, mais magro e desajeitado, também investiu. Provavelmente era um viciado em entorpecentes, dado os seus sinais físicos instáveis. Não precisaria de ajuda para morrer. Somente acertei um golpe em suas pernas, e ele caiu com a face em terra, e por ali mesmo ficou. Os outros dois estavam em guarda, o que me indica que sabiam alguma arte marcial, o que não teria serventia alguma, pois em um segundo já estava entre eles, socando-os no estômago.
A garota ainda estava chorando. Creio que ainda não havia percebido que seus malfeitores estavam incapacitados.
— Senhora... Senhorita... Você já pode... Levantar... Se for bom pra você... Caso não seja, pode ficar... sentada...
Ela ergueu-se daquele chão imundo e abraçou-me. Sua altura mal chegava à altura do meu ombro. Seus cabelos eram negros com pontas azuis. Em suas orelhas residiam o que chamavam de alargador. Quatro milímetros para ser mais específico, além de várias hastes de metal. Seus olhos eram azuis cristalinos.
Aquilo me afetava de alguma forma. Ela continuava a chorar. Pela força que ela me apertava, previ que deveria abraça-la em reciprocidade e caridade.
E assim o fiz.
Ainda estou confuso
Levei-a para a casa a qual residia. Ela adormeceu no caminho. Em seu pescoço pousava um colar ao qual chamavam de dogtag. Nesse colar estava escrito Nick. Seria o nome dela? Não entendi como podia estar confiando em mim, ao ponto de entrar em estado de sono, depois de ter sido ataca por aqueles outros machos de sua espécie. Racionalmente, isso não faz sentido.
Humanos são idiotas.
Enfim chegamos. Uma casa rústica no subúrbio, bastante longínqua do centro da cidade. Até onde sei, era do século passado, ou até mais velha. Abandonado pelos donos, por dizerem que haviam fantasmas, ou algo do tipo. Humanos tem medos estranhos. Existem coisas piores que fantasmas. Coloquei-a sobre uma das camas desarrumadas da casa. Vagarosamente caminhei para a cozinha. Uma das poucas coisas que entedia nos humanos era a fome. Isto é extremamente lógico. E eu estava faminto. Havia carne fresca pronto para consumo.