Minha pele já estava vermelha de tanto esfregar, por mais que o sangue e a terra já tivessem escorrido pelo ralo junto com a água do chuveiro, mas a sensação de estar suja ainda estava lá. Respirei fundo. Como psicólogo sei que não posso deixar essa sensação me dominar, então decido desliga o chuveiro e sair do boxe.
Enquanto me seco vejo as roupas que usamos mais cedo no chão, vou ter que queimá-las, pelo menos o consultório está limpo.
Após vestir meu pijama, fui para o quarto secando meu cabelo quando a vi deitada na minha cama da forma mais desleixada possível como se ela fosse a dona. Sinceramente isso me irrita.
Quando a família de Beth a levou ao consultório em que trabalhava não imaginava que nossa relação chegaria nesse nível, era para ela ser apenas mais uma paciente com transtorno dissociativo de personalidade, mas depois da segunda sessão ela sempre invadia minha casa quando a personalidade de Alice estava no comando e conversando com o pai dela foi decidido que era melhor ela estar aqui cuidada e segura do que vagando pela rua. Às vezes me pergunto se eu soubesse tudo o que aconteceu nestes últimos 2 anos ainda a deixaria ficar.
Ela tem o costume de se desligar da realidade, por isso demorou a perceber que eu tinha entrado no quarto, mas assim que percebeu minha presença esticou os braços em minha direção em um pedido mudo para que eu a abraçasse e se a situação fosse outra eu faria sem pensar duas vezes, mas agora...
- Não.
Voltei a secar meu cabelo esperando qual seria sua reação, se explodiria e viria para cima de mim (atitudes típicas de Alice) ou se voltaria ainda mais para o mundo das ideias (sinal que Mouse estava no comando).
- Olha, ela fala! - Alice, com certeza. - Você está calado desde que enterramos o Jonathan naquele terreno baldio.
Sei que Alice odeia o silêncio, principalmente por todo o trauma do passado, mas prefiro permanecer assim, ainda não processei tudo. Olho em direção ao a janela do quarto que está aberta e continuo focado em secar o cabelo.
Com um movimento rápido ela estava na minha frente segurando meu queixo com a mão direita com força fazendo suas unhas entrarem levemente no meu queixo e com um leve movimento faz com que eu a olhasse nos olhos.
- Dá pra dividir o que está passando em sua cabeça? - Eu sabia que não era um pedido, pois pelo seu tom agora ela estava irritada.
Coloquei minhas mãos em seus ombros e a empurrei fazendo com que ela soltasse meu rosto e caísse na cama. Por fim resolvi jogar tudo para fora.
- Você devia ter se afastado dele ou ter me chamado! Se vocês não fossem tão impulsivos minha sala no consultório não seria uma cena de crime.
- Acha que não sei disso?! - Disse sentando, percebi seus ombros pesarem como se estivesse cansada, decidi remediar.
- Jonathan Crane, apesar de ser meu colega de trabalho, era um sem noção que se achava no direito de assustar os pacientes, apontar o dedo e dizer o que estava certo, eu também não devia ter te deixado sozinha com ele, mesmo que fosse para ir no banheiro - parei quando percebi suas postura mudou suas costas estavam tão retas e suas pernas antes cruzadas em cima da camas estavam penduradas de forma impecável ao lado da cama, e isso significava que personalidade de Beth tinha estava no comando.
- Crane não é o motivo de estarmos em perigo de novo, eu sou,- Era incrivel como ate mesmo o tom da voz dela mudava. - Mesmo sabendo o que Alice queria fazer eu deixei ela sair, eu o queria morto e sabia que se ela saísse o pescoço dele seria cortado. - Mas... Ela sempre foi a mais controlada. Não entendo. - Aquele desgraçado tocou no meu ponto fraco, ficava repetindo que eu tinha muitos problemas para está em um relacionamento, que uma hora voce se cansaria de nós e só de pensar que qualquer um é melhor para você, me deixa louca, então deixei que ela tomasse o controle... Esse é o controle que você tem sobre mim!
Das 3 personalidades que habitava o corpo de Elizabeth Kane, Mouse é a personalidade mais carente e a mais mimada, quando as coisa quando não saiam do seu jeito ele explodia como uma criança pequena; Já Alice era a completamente descontrolada com fortes tendências a agressividade. Beth no entanto era a personalidade primária que se apresentava como muito quieta e assustada e portanto a única que nunca faria mal a ninguém, acho que mais uma vez estava enganado, eu tinha que acalmá-la ela poderia entrar em crise.
- E eu ainda estou aqui! Esse é o poder que você tem sobre mim!
- Escuta a gente, isso é tóxico! Eu mato seu amigo e você coloca a culpa em todos menos em mim! - Disse gritando.
- Você quer que eu te culpe? - Eu deveria me aclamar a ideia era acalmar os ânimos mas o nó na garganta e o latejar na minha cabeça precisavam desaparecer então resolvi prosseguir. -Tudo bem! Vocês fizeram bobagem, de novo! Quando vão amadurecer? -disse com raiva.
- Finalmente! - Ela disse olhando pro chão, fiquei com dó mas agora que comecei vou até o fim.
- Outra vez vocês me colocaram em uma posição onde tenho que distorcer meus princípios. Onde a divisão entre o certo e o errado não pode existir e eu vou contra tudo que eu acredito, Porque eu amo vocês apesar de tudo.
- Então pare de nos amar! - A voz ela está falha, como se estivesse chorando.
- Não dá! - Sim, essa é minha verdade.
- Não tem uma personalidade minha que não seja fudida da cabeça! Não tem uma que se salve. - Dava pra sentir a tristeza na voz dela.
- Eu sei.
Qualquer ser humano com o mínimo de neurônio sabia que viver com August Cartwrigh (seu sequestrador) tinha quebrado Elizabeth Kane de formas inimagináveis. E para se defender das atrocidades do monstro, surgiram duas personalidades que tomavam o controle para protegê-la, mas apesar da proteção a personalidade primária também foi afetada e muito.
Um dos pontos que falhei além do relacionamento médico-paciente foi não conseguir fazer Beth entender que precisava de ajuda. Na sua cabeça confusa se o tratamento funcionasse, Alice e Mouse sumiriam e ela ficaria sozinha. Tentei mostrar que esse pensamento não era verdadeiro, afinal, ela tinha 2 irmãs, um pai, um primo com vários filhos e a mim, mas nenhum argumento adiantou, talvez porque quem devia inspirar confiança estava dividida, afinal, eu amava cada uma das personalidades dela.
Ela se remexeu na cama como se algo a incomodasse, mas não se levantou, então abaixou a cabeça e disse em voz baixa:
- Então concordamos, isso tem que acabar. - Agora o choro na sua voz era nítido.
Mesmo com o nó na garganta e com o coração sangrando respondi o que nos salvaria de uma vida de insanidade:
- Sim. Acabou...
Mas antes que eu pudesse terminar de responder ela estava me beijando e me puxando sobre ela em direção à nossa cama. Com certeza não seria hoje que nosso relacionamento chegaria ao fim.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Tóxico
RandomNamorar alguém com tantos problemas psicológicos e com tanto poder sobre você, não resultaria em nada além de um relacionamento tóxico.