Aquela sensação era única e eu gostava dela, tratava-se de uma porta para uma realidade que, querendo ou não, está impregnada em minha alma como uma ferida aberta. Mas, o que era?
Medo? Talvez, mas não o medo comum e sincero que crianças sentem logo ao deixar o seio da mãe, por isso não acho que seja medo. Alegria? sorrisos maliciosos e hipócritas nunca me agradaram.
Então o que é aquilo que senti?Inútil tantas divagações. Então,vamos direto ao ponto, certo?
Bem-vindos ao meu emaranhado de tristeza.
Naquela manhã sentia um formigamento incomum no corpo, estava assustado, como toda pessoa fica no seu primeiro dia de aula.
Nas ruas da cidade via rostos alegres e tristes, alguns ofuscados pela densa neblina e outros infelizmente não tão ofuscados assim, tendo em seus rostos o desenho absoluto de hostilidade.
Isso pouco importava pra mim e após algumas voltas naquelas ruas desprovidas de vozes, finalmente encontrei a escola.
Era a única escola ainda ativa de Silent Hill e mesmo assim, não parecia que iria durar muito. De longe percebo que os alunos possuem mais fome em seus olhos do que curiosidade, até então nada incomum, afinal, era o ensino médio e nessa idade as crianças têm fome de coisas além da comida.Sem perder tempo me instalo na sala precisamente indica por um zelador de aparência robusta que circulava pelo corredor cantarolando uma música depressiva. Como de costume, fui o alvo de sarcasmo e brincadeiras de mau-gosto durante a primeira meia-hora do dia. Tudo um porre,nada inesperado, mas ainda assim horrível de se lidar.
Mas ainda assim, algo me chamou a atenção.
Todos sentavam próximos, longe das cadeiras no fim da sala, até mesmo os chamandos "bagunceiros" evitavam tais lugares. Não entendia muito bem o motivo, mas a impressão clara era a de que estavam isolando uma pessoa ali.
Durante toda a aborrecida aula, me permiti olhar várias vezes para aquela pessoa tão diferente; era difícil deixar de observá-la. Enquanto todos eram opacos, aquela pessoa brilhava, como se toda a tristeza em seu rosto fosse um cofre revestido de metal que guarda ouro em seu interior.Totalmente absorvido naquilo, mal percebi o trajeto implacável do tempo e logo o sino começou a tocar, indicando que devíamos ir ao refeitório. A garota se foi, todos lhe cediam passagem, não a tocavam e não a olhavam por muito tempo. Ela não parecia daquele mundo, ou do mundo "deles". Era uma coisa difícil de explicar e aquilo me intrigava muito.
Desde pequeno sempre tive relações muito forte com a arte e já sentia meus dedos coçarem, precisava desenhá-la de qualquer jeito e rápido, contudo logo a magia é desfeita e ela se vai.
No meio do caminho, a garota é detida por uma dúzia de alunos, tanto meninos quanto meninas, eles formam um círculo envolta dela que empina a cabeça em um gesto de orgulho.
Mal pude notar quando as vozes de todas aquelas crianças tornaram-se uma, gritando:- Bruxa! Bruxa! Bruxa!
Os cadernos, tão bem arrumados naqueles braços finos despencam, a garota corre, abrindo uma fenda em meio daquele círculo odioso. Ainda assim evitavam tocá-la.
Nunca entendi o porque de fazerem isso. Nem mesmo depois, quando tudo sobre ela tornou-se tão claro quanto o sol que olho nesse momento. Era natural das pessoas temerem o que não podem compreender, mas o que acontecia naquela escola era único. A garota despertava admiração e medo entre os alunos e a diferença de um sentimento para outro era tão visível quanto as lágrimas de um homem que está se afogando.
Encontrando um canto abandonado, agradeço aos céus por poder comer com alguma privacidade. Sob aquela árvore, uma fria sombra me permitia observar a babilônia que tomava conta do pátio escolar. Sempre me sentia adulto perto das outras crianças, mas a verdade é que eu as invejava. Eram todas sorridentes e elétricas, tão diferentes de mim. Será que ela também sentia isso?
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O Sorriso de Alessa
General FictionAlgo se esconde nas neblinas de Silent Hill. Em uma cidade aparentemente calma, um rapaz se depara com uma garota que carrega segredos obscuros. Enquanto isso, o surgimento de um misterioso culto promete mudar a vida de todos aqueles que vivem em S...