Abduzidos

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ABDUZIDOS 

ROBIN COOK

Para Cameron, bem-vinda à vida, "Pingo de Gente"

***

1

Uma vibração esquisita despertou Perry Bergman de um sono inquieto, e instantaneamente um estranho pressentimento o invadiu. O desagradável murmúrio o fez recordar unhas raspando um quadro-negro. Estremecendo, ele jogou para o lado o cobertor. Quando se ergueu, viu que a vibração continuava. Os pés descalços sobre o convés de metal lhe davam a impressão de se tratar de uma broca de dentista. Logo abaixo era capaz de detectar o zunido normal dos geradores do navio e o ronco dos ventiladores de ar-condicionado. -- Mas que diabo?... -- disse em voz alta, mesmo não vendo ninguém ao alcance de sua voz para poder lhe dar alguma explicação. Tinha vindo de helicóptero até o navio, o Benthic Explorer, na noite anterior, depois de um longo voo de Los Angeles até Nova York e de lá até Ponta Delgada, na ilha açoreana de San Miguel. Devido à mudança de fusos horários e após ouvir uma longa exposição dos problemas técnicos que a equipe técnica de sua empresa vinha enfrentando, estava compreensivelmente exausto. Não gostou de ser despertado depois de apenas quatro horas de sono, ainda mais por uma vibração tão intensa. Arrancando do gancho o receptor do intercomunicador do navio, pressionou irritado os botões, digitando o número da ponte de comando. Enquanto aguardava que a ligação se completasse, espiou pela vigia de sua cabine VIP, pondo-se na ponta dos pés. Com um metro e setenta de altura, Perry não se considerava baixo, mas simplesmente um cara que não era alto. Lá fora o sol mal havia se erguido acima do horizonte. O navio projetava uma longa sombra sobre o Atlântico. Perry estava olhando para o oeste, além de um mar enevoado e calmo, cuja superfície lembrava uma vasta extensão de chumbo fundido. A água ondulava-se sinuosamente com ondas baixas e bem separadas umas das outras. A serenidade da cena contrastava com os acontecimentos que se davam abaixo da superfície. O Benthic Explorer estava sendo mantido numa posição fixa por um sistema de posicionamento dinâmico comandado por computador, que movimentava os hélices propulsores bem como os impelidores de proa e de ré acima de uma parte da vulcânica e sismicamente ativa Cadeia Meso-Atlântica, uma cadeia de montanhas pontiagudas de mais de 20 mil quilômetros de extensão, que divide o oceano. Com a extrusão constante de enormes quantidades de lava, as explosões submarinas de vapor e frequentes miniterremotos, a cordilheira submersa era a antítese da tranquilidade estivai da superfície do oceano. -- Ponte -- Perry ouviu uma voz entediada dizer. -- Onde está o capitão Jameson? -- indagou Perry, irritado. -- Na cama dele, pelo que sei -- disse a voz, tranquilamente. -- Mas que porra de vibração é essa? -- insistiu Perry. -- Sei lá, mas não está vindo do grupo gerador do navio, se é o que quer saber. Senão eu teria ouvido da sala de máquinas. É provável que seja apenas a sonda de perfuração. Quer que eu ligue para a cabine de perfuração? Perry não respondeu; só bateu o telefone na cara do outro. Não podia acreditar que o sujeito lá da ponte não estivesse pensando em investigar a vibração ele mesmo. Será que não estava ligando a mínima para o trabalho? Perry ficou fulo da vida com aquela falta de profissionalismo na operação do navio, mas resolveu tratar disso depois. Em vez disso tentou se concentrar em vestir sua calça jeans e blusa grossa de gola alta. Não precisava que ninguém lhe dissesse isso para saber que a vibração podia estar vindo da sonda de perfuração. Estava na cara. Afinal, tinha sido devido a dificuldades na perfuração que ele havia vindo de Los Angeles. Perry sabia que havia apostado o futuro da Benthic Marine naquele projeto: perfurar uma câmara magmática no interior de uma montanha submarina a oeste dos Açores. Era um projeto independente, e por isso a empresa estava gastando em vez de receber, de forma que a sangria de dinheiro estava sendo pavorosa. A motivação de Perry para essa empreitada estava na crença de que o feito iria chamar a atenção da opinião pública, concentrar o interesse na exploração submarina e catapultar a Benthic Marine para a dianteira da pesquisa oceanográfica. Infelizmente, parecia que o empreendimento não estava saindo como havia sido planejado. Depois de se vestir, Perry deu uma espiada no espelho acima da pia no banheiro apertado. Alguns anos antes ele não teria se incomodado em fazer isso. Mas as coisas haviam mudado. Agora, que estava com mais de quarenta, achava que a aparência desleixada que costumava funcionar a seu favor estava fazendo com que ele parecesse velho, ou, na melhor das hipóteses, cansado. Os cabelos estavam ficando ralos, e ele precisava de óculos para leitura, mas ainda exibia um sorriso triunfante. Perry tinha orgulho de seus dentes brancos e perfeitamente alinhados, principalmente porque enfatizavam o bronzeado que ele fazia tudo para não perder. Satisfeito com seu reflexo, tratou de ir saindo da cabine e correr pelo corredor. Quando passou pelas portas do capitão e do imediato sentiu-se tentado a esmurrá-las para desabafar sua irritação. Sabia que as superfícies de metal iriam reverberar como timbales, despertando brutalmente os ocupantes adormecidos de seu pesado sono. Como fundador, presidente e maior acionista da Benthic Marine, ele esperava que as pessoas ficassem mais alerta quando ele estivesse a bordo. Será que era o único que estava preocupado o suficiente para investigar aquela vibração? Quando chegou ao convés superior, Perry tentou localizar a fonte do zunido estranho, que agora se mesclava ao som da sonda em funcionamento. O Benthic Explorer era uma embarcação de quatrocentos e cinquenta pés com uma sonda de perfuração de vinte andares a meia nau, sobre um poço central. Além da sonda de perfuração, o navio gabava-se de ter um complexo de mergulho saturado, um submersível para águas profundas e vários trenós de câmera móveis controlados remotamente, cada um com uma impressionante série de câmeras fixas de monitoração e câmeras de televisão para gravação. Combinando-se esse equipamento com um amplo laboratório, o Benthic Explorer dava a sua empresa-mãe, a Benthic Marine, a capacidade de realizar uma extensa gama de estudos e operações oceanográficos. Perry viu a porta da cabine de perfuração aberta. Um homem gigantesco apareceu. Bocejou e espreguiçou-se antes de erguer as alças do macacão para recolocá-las sobre os ombros e pôr na cabeça o capacete amarelo onde se lia SUPERVISOR DE TURNO em letras de fôrma acima do visor. Ainda meio entorpecido de sono, ele se encaminhou para a mesa rotativa. Obviamente não estava com pressa alguma, apesar da vibração que percorria o navio. Apressando o passo, Perry alcançou o homem exatamente no momento em que dois outros operários se juntaram a ele. -- Já faz vinte minutos que está acontecendo isso, chefe -- disse um dos homens de área berrando acima do barulho da sonda. Todos os três ignoraram Perry. O capataz que supervisionava o turno resmungou ao calçar um par de pesadas luvas e atravessou todo lampeiro a estreita grade de metal sobre o poço central. O sangue-frio dele impressionou Perry. A passarela parecia frágil e tinha apenas um corrimão baixo para evitar que alguém caísse 15 metros e batesse contra a superfície do oceano lá embaixo. Atingindo a mesa rotativa, o supervisor curvou-se e colocou ambas as mãos enluvadas em torno do eixo em rotação. Não tentou agarrá-lo com força, mas deixou-o girar entre as mãos. Inclinou a cabeça para o lado enquanto tentava interpretar o tremor transmitido tubo acima. Levou apenas um momento fazendo isso. -- Parem a sonda! -- berrou o gigante. Um dos peões correu de volta ao painel de controle externo. Dentro de instantes a mesa rotativa parou, estalando, e a vibração cessou. O supervisor voltou e subiu ao convés. -- Mas que merda! A broca arrebentou de novo! -- reclamou ele, com uma expressão de ódio. -- Isso já está parecendo até brincadeira de mau gosto. -- O engraçado foi que nós só perfuramos um metro, mais ou menos, nos últimos quatro ou cinco dias -- disse o outro peão. -- Cale essa boca! -- disse o gigante. -- Vê se vai até ali e me iça a coluna de perfuração até a cabeça do poço! O segundo assistente de sonda foi ajudar o primeiro. Quase imediatamente ouviu-se novo som de máquinas potentes enquanto os guinchos eram engatados para cumprir a ordem do capataz. O navio estremeceu. -- Como tem certeza de que a broca se quebrou? -- berrou Perry, tentando se fazer ouvir apesar do barulho. O capataz baixou o olhar para ele. -- Experiência -- berrou, depois virou-se e afastou-se a passos largos na direção da popa. Perry foi obrigado a correr para alcançá-lo. Cada passada do supervisor era o dobro de uma das suas. Perry tentou fazer nova pergunta, mas o homem não ouviu ou ignorou-o. Eles chegaram à escada meia-laranja e o supervisor começou a subir, três degraus de cada vez. Dois conveses acima, ele entrou num corredor e depois parou diante da porta de um compartimento. O nome que se lia na porta era MARK DAVIDSON, COMANDANTE DE OPERAÇÕES. O capataz bateu à porta com toda a força. A princípio, a única resposta foi um acesso de tosse, mas depois uma voz lhe disse para entrar. Perry espremeu-se no pequeno compartimento atrás do capataz. -- Más notícias, chefe -- anunciou o capataz. -- Acho que a broca estourou de novo. -- Mas que horas são, cara? -- indagou Mark. Passou os dedos através dos cabelos arrepiados. Estava sentado na beira da cama, de cueca e camiseta. O rosto estava inchado, e a voz, grossa de sono. Sem esperar resposta, estendeu o braço para pegar um maço de cigarros. O ar no quarto estava fedendo a fumaça entranhada. -- São mais ou menos zero-seiscentos -- informou o capataz. -- Meu Deus -- exclamou Mark. Os olhos dele depois focalizaram Perry. Mostraram surpresa. Ele piscou. -- Perry? O que está fazendo acordado? -- Não tinha como dormir com essa vibração -- disse Perry. -- Que vibração? -- indagou Mark. Olhou outra vez para o supervisor de turno, que fitava Perry. -- Você é o Perry Bergman? -- perguntou o capataz. -- Pelo menos era, da última vez que verifiquei -- brincou Perry. Sentiu uma certa satisfação ao perceber o constrangimento do capataz. -- Foi mal -- disse o capataz. -- Deixa pra lá -- disse Perry, magnânimo. -- A coluna de perfuração estava chacoalhando? -- perguntou Mark. O capataz confirmou. -- Exatamente como das últimas quatro vezes, e talvez um pouco pior. -- Nós só temos mais uma broca de carbureto de tungstênio com diamante -- lamentou Mark. -- Não precisa me lembrar disso -- disse o capataz. -- Qual a profundidade? -- indagou Mark. -- Não mudou muito desde ontem -- respondeu o capataz. -- Já descemos quatrocentos metros de tubulação. Como o fundo fica a mais ou menos trezentos metros e não há sedimento, só penetramos na rocha cerca de cem metros, uns centímetros a mais ou a menos. -- Era isso que eu estava lhe explicando ontem à noite -- disse Mark a Perry. -- Estávamos indo muito bem até quatro dias atrás. Desde então não saímos do lugar, talvez tenhamos descido de sessenta centímetros a um metro, apesar de termos acabado com quatro brocas. -- Então acha que encontrou uma camada de rocha dura? -- indagou Perry, achando que tinha que dizer alguma coisa. Mark riu sarcasticamente. -- Dura não é bem a palavra. Estamos usando brocas diamantadas com as ranhuras mais retas possíveis! O pior é que ainda vamos enfrentar mais trezentos metros da mesma coisa, seja lá o que for, até chegarmos à câmara magmática, pelo menos de acordo com nosso radar de penetração no solo. Pelo andar dessa carruagem, vamos ficar aqui dez anos. -- O laboratório analisou a rocha que tiraram da última broca quebrada? -- perguntou o capataz. -- Sim, analisou -- confirmou Mark. -- É um tipo de rocha que jamais haviam visto antes. Pelo menos de acordo com o Tad Messenger. Compõe-se de um tipo de olivina cristalina que ele acha que talvez possua uma matriz microscópica de diamante. Acho que podíamos tentar obter uma amostra maior. Um dos maiores problemas de se tentar perfurar no mar aberto é que não temos um retorno dos fluidos de perfuração. É como perfurar no escuro. -- Será que não dava para mandarmos um extrator de amostras lá para baixo? -- Grande coisa conseguiríamos, se não conseguimos nem meter uma broca diamantada nessa pedra -- comentou Mark. 

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⏰ Última atualização: Jan 15, 2015 ⏰

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