Ranger de paredes

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Vila Fuggerei, Augsburg, Alemanha.

Pelas regras de onde vivia, deveria estar em sua residência antes das dez horas da noite. Para muitos parecia uma regra inútil, porém a vila de Fuggerei era bastante única em suas normas. Pessoas reclusas antes das dez não incomodam seus vizinhos a menos se decidirem fazer uma rave em casa, felizmente ninguém ali fazia isso, e se sentissem vontade, faziam fora dali. Já para os presentes na comunidade, era obrigatório e passível de multa. Multa essa não tão grande, mas seria uma vergonha pagar por falta de comportamento quando é muito mais fácil ser um cidadão civilizado.

Enquanto Felícia seguia o rumo de sua residência compartilhada costumava dar acenos com a cabeça para alguns dos vizinhos. Não era a mais simpática, definitivamente não, só não custava muito exercer o mínimo de simpatia depois de morar tanto tempo com aquela gente. Claro, alguns ela não se daria o trabalho nem mesmo de revirar os olhos, outros ainda se esforçava. Ninguém podia dizer que ela pecava por falta de esforço.

Encolheu-se em seu casaco, prosseguindo o caminho. Não estava tão frio, mas a brisa estava ligeiramente mais gelada. Chutava 16°C, talvez menos, sempre foi péssima em medir temperatura e não seria agora a fazer isso. Franziu rosto em uma careta ao passar pela casa na esquina da sua, detestava aquele cheiro, ardia em suas narinas como se fosse fumaça. Felizmente o ar melhorou duas casas depois, ela respirou aliviada, mais a frente pode notar as luzes do andar de baixo da sua residência acesas.

"Henry está em casa", pensou. Dividia o lugar com o rapaz, as regras eram claras, o térreo era todo dele enquanto o primeiro andar todo dela, assim ninguém feria a privacidade de ninguém. Fora a bela e magnífica parte de dividirem o aluguel anual, o valor era baixíssimo, pagavam menos ainda e o conforto era o mesmo. No fim os dois saíam ganhando nesse quesito.

Felícia tirou os sapatos antes de prosseguir duplex adentro, estendendo seu casaco mais pesado no suporte perto da porta. Tinha essa mania desde o seu primeiro dia ali. O chão da área externa era sujo, ainda mais quando se tratava do solado de seus sapatos, não iria sujar seu lar dessa forma. Depois com certeza também limparia seus sapatos antes de usar novamente, e essa mania também pegou em seu colega de residência, para a felicidade dela.

— Fez chocolate? — Felícia parou perto da escada enquanto olhava para a cozinha do local, já soltava seus cabelos ruivos para ficar mais à vontade.

— Sim, sim! — Henry colocava a língua para fora enquanto falava, havia tomado rápido demais e antes de esfriar, queimou a língua. A sensatez passou longe. — Quer um pouquinho?

A ruiva negou com a cabeça, e ele notou ela tentando segurar o riso pelos atos dele. Típico, sempre fazia o papel de palhaço. E no dia no qual chegou mais cedo em casa para conseguir fazer algo direito, ainda passou vergonha. Pelo menos a cozinha e a sala do térreo eles dividiam, não havia necessidade de duas cozinhas na mesma residência.

— Tentei ser educado e oferecer, está perdendo um chocolate maravilhoso. — Henry franzia a testa e encostava o polegar no indicador enquanto falava. Óbvio que ele iria alimentar o próprio ego, a sobrancelha erguida dela indicava já estar acostumada o suficiente com isso para já achar algo fofinho. — Agora sério, preciso falar contigo, fica aqui embaixo um pouquinho, por favor.

Ela bufou, não de forma ofensiva para ele, era comum a ruiva chegar e ir direto para o próprio andar. Poucas as vezes nas quais ficou no andar de baixo junto dele, geralmente era em datas comemorativas como o aniversário do rapaz, onde Henry pediu para assistir um filme com ela. O loiro realmente era o ícone da simpatia da residência, e Felícia se perguntava o motivo dele ter se mudado de Munique para Augsburg. Na cabeça dela simplesmente não fazia sentido ir para aquele fim de mundo. Bom, ao menos para ela era um fim de mundo, ele definitivamente não pensava assim.

FuggereiWhere stories live. Discover now