Strawberries & Cigarettes

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Taehyung estava sozinho, no quintal da sua casa, com sua fonte de calmaria, ou seu vício incontrolável, entre os dedos.

E ele sabia que o motivo da sua irritação não era a carne com péssimo gosto servida no jantar, muito menos aquela velha piada inconveniente que seu tio contou durante a chegada da sobremesa.

Já estava acostumado com o sabor de carne estragada, porque sua mãe sempre foi uma péssima cozinheira, e, como dádiva de seu senso de humor questionável, conseguiu rir um pouco do trocadilho previsível com a palavra pavê.

No entanto, o surgimento abrupto do sentimento raivoso, que frequentemente fazia parte da sua rotina, foi inevitável.

Saber que ele existiria não foi uma missão verdadeiramente complicada; que se intensificaria ao longo da noite, muito menos. Impaciência era uma sensação que aparecia com tanta facilidade no seu dia-a-dia, que já era capaz de prever os momentos em que a sentiria, ou possíveis, geralmente falhas, soluções para evitá-la.

Ele só não havia como presumir que, naquele dia, extrapolaria os limites.

Afinal, Taehyung indiscutivelmente detestava festas em família; sempre detestou. E a festa nem era o verdadeiro problema. A família, no entanto, sim.

Ainda que festas não fossem seu passatempo preferido, ele não podia afirmar convictamente que as repugnava, porque algumas coisas certamente lhe pareciam divertidas. Como, claro, a diversidade de guloseimas, a atmosfera, quase a todo momento, tranquila, e o entusiasmo dos participantes, que o contagiava, embora não demonstrasse.

Quando estava em companhia de seus parentes, próximos e distantes, entretanto, manter a calma ou ser contagiado por entusiasmo era difícil.

O barulho irritante; as crianças baderneiras; os tios fofoqueiros; tudo conseguia ser um motivo adicional para afetar seu sossego, já tão frágil e escasso.

E a junção desastrosa dessas três coisas existia em reuniões como a daquele dia.

Mesmo com um total incontável de esforço, Taehyung não conseguia compreender plenamente as lágrimas derramadas por seus familiares durante reencontros, ou a felicidade que eles sentiam por estarem perto um do outro.

Porque, na verdade, a única coisa que era capaz de sentir em momentos supostamente emocionantes como aqueles era um intenso vazio e um inabalável sentimento de exclusão.

De alguma forma, ele achava que não fazia parte da sua família. Por isso, sempre ficava encostado na parede, com os braços cruzados, ocultando a tristeza que perseverava ao ser desprezado daquele jeito tão descarado, enquanto esperava o momento emotivo terminar.

No fim das contas, não importava o quanto de afinco colocasse em suas súplicas silenciosas, ninguém viria correndo desesperadamente até seus braços para abraçá-lo fortemente, feliz.

Ninguém ficava aos prantos por reencontrá-lo depois de tantos anos.

Ninguém ao menos fingia que se importava se ele estava ali ou não.

Mas todos de repente aparentavam considerá-lo quando nascia a chance de opinar sobre como ele vivia a sua vida.

Taehyung abominava terrivelmente aquele hábito incurável de seus tios, da insistência pedante de se manterem informados sobre vida alheia e criticá-la duramente — mesmo que sequer tivessem o direito de fazer isso, acontecia com uma frequência horrorosa —, principalmente quando era a sua a vida alheia jogada na mesa, o que já parecia ser um costume.

Os seus parentes, individualmente, não eram um incômodo, se estivessem longe. Ele até mesmo simpatizava com alguns poucos, mas significativos, primos distantes, que, do mesmo modo que ele, tinham o suficiente de prudência para notar que aquela atitude nociva era guiada por um inigualável egocentrismo.

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