Cecília acordou. Acordou e não se lembrou de ter se deitado na noite anterior. Não queria abrir os olhos. Sabia que no momento em que os abrisse, veria o relógio, e nele, indicadas pelos ponteiros, as horas opressoras. Quanto ainda poderia faltar para soar o alarme que lhe perturbaria o silêncio? – Que piada de mau gosto! – Sabia que teria de levantar, fazer sua cama, e do armário, tirar as mesmas roupas. Lentamente, deixou que se abrissem as pálpebras, no relógio: 06h22min. Já não havia muito tempo. Levantou, caminhou até o móvel antigo, e dele tirou o uniforme passado na noite anterior. Seguiu até o banheiro, entrou no chuveiro, embaixo da água fria, na tentativa de deixar para trás o cansaço dos dias. Passados os cinco minutos, rotineiros, ela se enxugou, e nua, parou em frente ao espelho manchado. Do seu reflexo, via-se uma versão nova, estranha a si. Vestiu o uniforme, foi até a cozinha, e rapidamente preparou um café. Levou, da caneca, o gole - tomou-o primeiro - à boca amarga decidiu que adicionaria leite. Abriu a geladeira, constatou com um suspiro cansado o seu esquecimento. A última caixa jazia, morta, vazia, no lixo. Foi até o quarto, abriu uma gaveta, escreveu uma nota. Voltou à cozinha, e na geladeira, pregou o pequeno recado: “Comprar Leite”. Foi até a sala, pegou seu chaveiro, bolsa, casaco e caminhou até a porta. Saiu para o corredor, fechou a porta, virou a chave.
Nunca mais voltou.