Capítulo 1

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NARRAÇÃO JANAÍNA

CINCO ANOS DEPOIS

Termino de colocar a mesa para o jantar.

- Alice!

Grito e em segundos uma pequena descabelada entra na cozinha.

- O jantar está pronto!

- Espera só um pouquinho?

Pede fazendo olhinhos fofos pra mim. Sempre esses olhinhos quando quer algo de mim.

- Pra que?

- Achei um tesouro.

- Tesouro?

- Sim...

Sai correndo da cozinha e não tem como não rir. Alice é uma garotinha muito agitada e amorosa. Sua inteligência às vezes me assusta. Possui os olhos de Sophi e o dom de fazer arte dela também, mas o gênio forte imagino que seja do pai. Isso não parece em nada com a minha irmã. Se pelo menos soubesse quem é o pai dela, poderia entender mais a minha pequena.

Coloco a comida no pratinho dela e espero. Espero tempo demais e nada de Alice. Saio da cozinha, passando com dificuldade pelas caixas de mudanças. Amanhã começaremos uma nova caminhada, juntas. Novo emprego, nova casa, uma nova vida. Começo a trabalhar na pediatria do hospital do centro de Santa Catarina. Conseguir essa vaga foi um sonho realizado. Mesmo com as dificuldades para criar Alice sozinha, consegui concluir meus estudos e minha residência. Não foram tempos fáceis, mas superamos. Entro no quarto e vejo a pequena no chão, mexendo na caixa com as coisas que guardei da Sophi. Tentei ao máximo deixar Sophi viva no coração da minha sobrinha. Sempre falo dela e das coisas boas. Mostrar a Alice que ela tem uma mãe que mesmo não estando aqui, ainda pode receber seu amor.

- O que está fazendo?

Ela me olha e sorri. Amo tanto esse sorriso dela.

- Olhando as coisas da mamãe.

Ando até ela e sento no chão, ao seu lado.

- Já viu tantas vezes essa caixa. Ainda existe algo novo pra ver?

Ela tira de dentro da caixa um livro.

- Sim...

Pego de sua pequena mãozinha o livro.

- Onde achou isso?

- O homem que veio desmontar o meu armário achou atrás.

Na verdade não é um livro. É um diário de gestante.

- É um livro de historinha? Pode ler pra mim?

Abro a primeira capa e vejo uma foto minha e da Sophi, no nosso primeiro dia nesse apartamento.

- Um livro seu e da mamãe?

Alice pergunta animada e senta no meu colo.

- É um diário. Sua mãe deve ter feito durante a gravidez.

- Ela escreveu coisas quando eu estava na barriga dela?

- Parece que sim.

Passo as primeiras paginas e vejo que está tudo preenchido. Nunca tinha visto Sophi com ele. Tudo que tinha dela, guardei nessa caixa. Menos as roupas que doei. As lembranças da despedida em seu enterro ainda me doem muito. Meus pais não apareceram e me vi perdida sem a minha irmã e com um bebê que precisava de mim.

- Lê pra mim mãedinda.

Ela sabe como me amolecer. Alice ainda era muito nova para entender que sua mãe estava no céu e não aqui com ela. Na escolinha foi a pior fase dela. Todos tinham a mamãe nas festinhas, menos ela. Foi quando começou a me chamar de mãe e não mais de dinda. Aquilo me quebrou por dentro. Não queria o lugar da Sophi. Ela sempre será a mãe. Então tivemos a ideia de unir as coisas. Mãedinda surgiu para fazer Alice arrancar de mim o que quisesse.

ALICE (DEGUSTAÇÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora