01. ESPERANÇA SILENCIOSA

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Primeiro arco: Filho do Inverno

Zhu Rong tentava estabilizar o corpo na água, o peito subia e descia rápido, seja pelo desespero ou pelo cansaço, ele não sabia dizer. Seus olhos escuros estavam fixos numa silhueta vestida em um hanfu branco, ela segurava firme uma espada que havia encontrado entre as pilhas de corpos e destroços, o cabelo longo estava solto, balançando contra o vento. As chamas altas que consumiam toda a seita atrás da mulher não pareciam intimidá-la.

— SHIJIE! — gritou Zhu Rong, assim que a mulher avançou em direção a um grupo de inimigos.

[...]

Ele abriu os olhos, alarmado, o braço estendido para cima, em busca de uma mão que não seria capaz de segurar. Devagar, dobrou os dedos, os fechando em um punho. Havia pegado no sono e, apesar de esperar um descanso sem os fantasmas do passado, acabou recordando a noite fatídica em que seu lar virou cinzas. As memórias daquele dia e dos seus anos como um prisioneiro de guerra, aos poucos se tornaram pesadelos que sempre o faziam se revirar na cama. Algumas vezes, preferia ficar acordado do que fechar os olhos e presenciar tudo outra vez.

Tendo sido acordado de uma maneira tão abrupta, Zhu tinha certeza que seria incapaz de voltar a dormir, então, se levantou e andou com passos pesados pelo quarto pequeno na pequena e velha cabana, indo até o cômodo ao lado, onde ficava a banheira, livrando-se das peças de roupa que vestia, tocando na água que havia deixado na banheira antes de dormir, comprovando que estava muito fria, mas não iria esquentar, o frio era algo que estava muito familiarizado, então, adentrou na banheira com tranquilidade.

Enquanto esfregava sua pele devagar, seus pensamentos começaram a vagar. A impaciência de não querer mais se esconder, de querer se vingar, de querer voltar ao passado e o medo de construir o próprio futuro o inundaram, tais incertezas e desejos opostos geravam um amontoado de cenários na sua mente já tão cansada e sombria graças a todo o passado e fugas que precisou experienciar. Por vezes Zhu Rong chegava à conclusão de que poderia ser mais fácil com aliados para o acompanhar, mas logo mudava de ideia ao lembrar o que seu nome representava. Ninguém seria insensato o suficiente para sequer cogitar cumprimenta-lo.

— Um dia de cada vez — murmurou Zhu Rong, jogando água no rosto. — Não adianta me desesperar.

Após longos instantes na banheira, o homem ergueu o olhar para uma janela à sua direita, notando que o sol já desaparecia no horizonte. Não havia feito nada de produtivo o dia todo, tendo apenas pegado lenha pela manhã e cochilado o restante do tempo, mas isso até que era bom, os alvos que caçava só apareciam durante a noite. Agora com as energias renovadas, poderia resolver de uma vez o caos que os cadáveres estavam fazendo próximo da sua moradia. Se ele não parasse a destruição desenfreada dos seres malignos seria questão de dias até que cultivadores rodassem em seu terreno, e um encontro com os nobres guerreiros estava longe de ser um sonho.

Aqueles que buscam por elevação espiritual até tornarem-se imortais praticam a arte do cultivo e chamam-se cultivadores. Nos registros mais antigos sobre tal prática, o que caracteriza um cultivador é a presença do núcleo dourado, semelhante a uma esfera — de acordo com os sábios — ela pulsa em sincronia com o coração do seu portador. A sua função é produzir e manter em circulação a energia espiritual. Esse mecanismo complexo e natural vinha de berço, portanto nascidos com tal traço são considerados abençoados pelos deuses. Milênios atrás tal energia era utilizada em serviços rotineiros, já que aumentava a habilidade física e psíquica do indivíduo, então, para trabalhos braçais no campo se mostravam bem úteis, mas tudo mudou quando uma explosão sem precedentes de seres maliciosos, sedentos por energia humana, se espalhou pela Terra, os nascidos com tal bênção espiritual tiveram que assumir a frente da situação já que eram mais fortes, na época também descobriu-se que suas energias espirituais eram opostas a energia maliciosa e violenta que pulsava nos cadáveres ambulantes, os afugentando ou destruindo, criando assim uma nova tarefa para essas pessoas: exorcizar seres malignos através da extinção ou purificação e proteger os humanos comuns, tudo pautado pelo lema do "mais forte proteger o mais fraco".

The Cultivation of the Phantom MaskOnde histórias criam vida. Descubra agora