Epílogo

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Epílogo

    No mesmo instante que o gelo sucumbiu ao seus pés e os sapatos encharcaram-se com a água que no verão passado havia servido de diversão para as crianças da pequena cidade alasquiana, Riley Gelimors teve a certeza de duas coisas: soube, instantes antes da revelação final que, talvez, viria a salvar a vida de seus amigos, que não sairia viva de dentro do lago. Logo depois, provavelmente ainda mais assustada e devastada do que achou que fosse possível sentir, soube que todas as histórias que ouvira quando mais jovem eram verdadeiras. Cada uma delas e muitas mais. Histórias que, nem em pesadelo, ousaria repetir. E nem poderia, uma vez que sua trágica morte ocorreu segundos depois.

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    O dia de sua morte teve o potencial assustador de ser normal. Ordinário. Comum. E Riley Gelimors aceitava que a chamassem, mesmo que não o fizessem por respeito à filha do prefeito, de qualquer coisa, excepcionalmente de qualquer sinônimo de comum. E, até o ponto que consigo saber, Riley realmente não era comum. Não somente por sua estranha e assustadora morte, causadora de revoltas basicamente incessáveis na região, mas pela sua maneira.

    Não há somente um ponto em que Riley divergia. Era diferente e isso bastava. Era excepcional na maioria de seus pensamentos e atitudes. Se crescesse, teria tido a capacidade de, antes de seus amigos, descobrir o que, anonimamente e secretamente, o lago guardava.

    Não contara a ninguém, exceto a sua melhor amiga Zoe Lysgse, que, se tivesse sorte, não reencontraria a amiga no dia 17 de janeiro do ano seguinte, que rumo tomara na tarde congelante do dia 13 de Novembro de 2016.

    Estudava o lago havia mais de dois meses e, mesmo que tivesse a capacidade de realizar a descoberta, não a descobriu a tempo suficiente de contar aos outros. Não que alguém, além de sua bisavó, que no exato horário de sua morte acordou da soneca da tarde gritando, fosse acreditar.

    Na tarde específica não sentiu nada. Não estudaria ou coletaria nada do lago ou de seu redor. Apenas caminharia e observaria. Como fazia, na maior parte de seu tempo.

    Eram 14:38 pm quando pisou no exato lugar em que o gelo racharia e a carregaria a sua morte. Estava no meio do lago e em uma fração de milésimo assustadora, não tanto quanto o que viria a seguir, quando percebeu que não importava para onde corresse, ou o quanto corresse, o lago inteiro estava se rachando.

    Além das descobertas, que já citei, que ocorreram quando tocou a água, fisicamente, seu corpo também sofreu.

    Seus braços, cobertos de três camadas fofas, e uma grossa, de tecido, rasgaram-se nas pontas afiadas que a rachadura formou. De nada adiantou as camadas de tecido. Não a protegeram do frio e menos ainda dos cortes.

    Seu corpo afundou e o desespero aterrorizador das descobertas congelaram sua mente. Mesmo que ela não percebera, não foi só a sua mente que congelara naquele momento.

A luta era inútil. Depois do que agora sabia, tinha certeza de que jamais poderia retornar à superfície. Mesmo assim ela lutou. Debateu seu corpo, utilizando toda a força que ainda tinha, retirando o casaco mais pesado e forçando o corpo acima. Vira, de relance em seus últimos momentos de consciência, que o sangue que saía de seus braços congelava quase instantaneamente ao entrar em contato com a água e, ao contrário do que aprendera na escola, afundava em direção ao preto vazio onde seu, mais novo, pesadelo ressonava.

    Em um último intuito de lutar pela vida olhou para cima e viu que não somente o buraco onde caíra estava fechado, como se nunca tivesse sido aberto, como o lago todo parecia perfeitamente intocado, como se nunca tivesse rachado. Do lado de fora, ninguém diria que uma garota em seus últimos segundos travava uma, quase perdida, batalha contra a morte. E mesmo que, talvez, alguém dissesse ou sugestionasse, ninguém viu. Ninguém observou. Ninguém percebeu. E então, Riley desistiu e, apenas 22 segundos depois de cair na água, morreu.

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    As exatas 03:53 am do dia 14 de Novembro, no mesmo minuto que a lua cheia brilhou no céu, Neil Hagebak, que se mudaria definitivamente para o Uruguai dois dias depois devido o terror que sentiu naquela madrugada, avistou uma forma esquisita descendo o pequeno riacho que desembocava no lago. Ele só perceberia no seu leito de morte, 37 anos mais tarde, que o corpo corria em direção contrária a água.

    O homem se agachou e sentiu o enorme pavor tomar conta de si quando se deparou com o corpo congelado e a expressão tomada de horror de Riley Gelimors. Depois de uma luta com seu íntimo, e nunca revelado, pavor, Neil se virou para o lado oposto e apontou a lanterna para os homens que o acompanhavam na busca. Quando estes o viram, reunindo toda a força que conseguiu conter para não chorar, ele gritou:

-- Eu a encontrei!

Morte no Lago de AngsmerteOnde histórias criam vida. Descubra agora