Colcha de Retalhos

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Tec tec tec tec tec tec

Eu ouço o barulho da máquina de costura, veloz, sob o meu pé.

Tec tec tec tec tec tec

Mais uma vez eu procuro os rasgos, e os remendo. O tecido, rasgado a tanto tempo, no chão, aos cantos, está agora vivo sob meus dedos, e resiste à costura. Uma gota de suor escorre por minha testa.

Pego a linha e a agulha para as partes mais resistentes, e furo meus dedos. Com minhas mãos destreinadas, vou dando continuidade ao meu ritual amador, sentindo a resistência da fibra a cada movimento. Dividindo a dor do tecido que, aos pedaços, luta contra as minhas mãos.

Sussurro para suas fibras, enquanto minhas mãos continuam a trabalhar. Minha voz, cuidadosa, canta para ele sobre outros tempos, sobre ser completo. Resistente, ele não acredita.

Continuo, com cuidado, porque sei que é difícil. Sei como é me lembrar somente dos rasgos. Olho para minhas próprias bordas, desfiadas, e suspiro pelas lembranças.

Canto de novo sobre viver e vivência, colocando energia no movimento dos meus dedos, que continuam, incansáveis. Procurando ajuda, eu me sirvo de rendas e bordados, trazendo novos significados para aquelas cicatrizes.

A sensação de beleza e integridade mexem com ele, que fica mais maleável e entregue às minhas mãos. A colcha de retalho, antes cheia de vermelho, vai ganhando novas cores ao se permitir revisitar suas feridas.

Eu não as escondo. Apenas extraio delas novas visões e reconhecimento. O tecido se faz vulnerável sob meus dedos e aceita o processo. Seu medo vai dando espaço à costura.

Eu sei que é difícil, pois ele já não se reconhece, mas tento cantar para acalmá-lo, porque sei que já fiz o mesmo caminho. Sei que não quero ser reconhecida apenas por meus rasgos.

Quando termino, estendo-o no varal para que ele sinta os novos ares sobre a sua forma. Saio, deixando-o consigo mesmo, pelo tempo que precisar.

Conto: Colcha de RetalhosOnde histórias criam vida. Descubra agora