Os pingos de chuva caiam finos e incessantes sobre os ladrilhos de pedra em volta do túmulo. O fenômeno natural era mais um dos elementos que formavam a equação fatídica do dia. Junto dele haviam diversas pessoas bem agasalhadas em suas roupas pretas, apressadas para abrirem logo os guarda-chuvas enormes em suas mãos, a tarefa simples tornava-se deveras complicada de se fazer devido aos olhos embaçados pelas lágrimas. O número de participantes do evento trágico só aumentava, até porque todos amavam o senhor Peter. Ou quase todos.
Umedeci os lábios sentindo as diversas peles soltas devido ao frio, arderem junto dos meus olhos, também sentia vontade de chorar e uniformizar a expressão de todos os presentes, mas só seria possível caso o resto dos homens, mulheres e jovens soltassem algumas gargalhadas. Mordi a bochecha me segurando para não chamar atenção realizando meus desejos adversos e sombrios, não consegui no entanto, alguns segundos depois um risinho de lado, discreto, deixou minha garganta suprindo certa parte da necessidade gritante que me dominava. Um beliscão forte foi depositado em minha cintura me fazendo dar um grunhido dolorido. Virei para o lado mostrando no olhar o quanto fiquei indignado com a ação que me renderia um roxo. Encontrei o autor do beliscão com uma cara assustada, ele fitava o caixão pálido como se visse algo ruim. Ryan retribuiu meu olhar e me lançou uma expressão que dizia “Não faça nada escandaloso, Jungkook”.
Só que eu odiava ser repreendido, e ao contrário de Ryan, não dava a mínima para o luto das pessoas ao redor. Não importava que todos amassem o senhor Peter, eu o odiava com todas as minhas forças, a morte dele era um beneficio em minha vida e se resumia em menos um problema para lidar. É engraçada a maneira que todos passam a amar alguém depois que a pessoa morre, só que eu não faria parte dessa parcela superficial do mundo. Nem em mil anos esqueceria como o falecido senhor Peter gritou comigo na sala de aula. Ele era um professor de merda.
Me aproximei um pouco mais do túmulo vendo Ryan arregalar tanto os olhos que parecia que eles saltariam de suas órbitas, eu achava irônico como ele ainda se surpreendia com minhas atitudes, parecia até que não me conhecia há muito tempo. Acumulei o máximo de saliva que consegui na boca e junto com as flores e terra que caiam em cima do caixão arremessei tudo que Peter merecia, uma bela cuspida. Os tons de indignação vieram como um couro junto de diversos olhos vermelhos e raivosos. A mãe do falecido professor abriu a boca horrorizada e encaminhou a mão direita para o peito. Puta que pariu, a velha vai enfartar.- Seu escroto! – Camila, a filha do defunto gritou com a voz cortada devido o choro. Ela estudava na mesma escola que eu e, assim como a maioria das pessoas, não ia com a minha cara – Não é capaz de respeitar nem o luto das pessoas, Jungkook? Tem que ser um idiota o tempo inteiro? – ela continuava com a voz alterada completamente descontrolada, quase se descabelando.
Eu ri dela. E também ri de todos os outros que pareciam prestes a me linchar. Ryan entrelaçou nossas mãos e foi passeando para trás me carregando junto.- Vamos – ele disse desesperado.
Foi a primeira e última vez que Ryan teve coragem de se arriscar comigo, por mim.Naquele dia, nós corremos feito loucos para a saída daquele cemitério. Éramos seguidos por alguns homens e a própria Camila, todavia eles não foram rápidos o bastante para nos alcançarem. Mais tarde eu lidaria com a minha mãe, ela gritaria que nem uma louca, mas agora eu deveria me concentrar apenas em fugir. Corremos feito dois loucos pulando diversos túmulos. Eu ria enquanto sentia o vento jogar meus cabelos para trás e a chuva gelada acalentar meu corpo. A situação era deveras divertida.
Eu costumava rir de tragédias.Abri os olhos vendo a paisagem passar rápida pela janela do carro. Amaldiçoei ter voltado logo de minhas lembranças, encarar minha atual situação era frustrante. Eu estava perto de voltar a morar em uma casa em um país que não era mais o meu lar, já havia me acostumado com os Estados Unidos quando minha mãe e aquele maldito marido dela vieram com a ideia de merda de voltar para a Coreia do Sul, de voltar para a cidade onde nasci, Busan.
Busquei o celular em meu bolso enviando a décima primeira mensagem para Ryan.
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Blue Flames
FanfictionEra típico de Jeon Jungkook simplesmente "não dar a mínima". Não existia pessoa no mundo capaz de o fazer abdicar de seus desejos e muito menos parar a sua língua afiada. Por muitos anos Jungkook controlou seus sentimentos, as pessoas ao seu redor e...