Tarde Sangrenta

146 12 0
                                    


  Tudo indicava que este não passaria de mais um dia lento e doloroso em sua vida. Fechou as janelas da sala pois julgava a luz do dia irritante.

     Sozinho e parado perto das cortinas de cor vinho, na parede de frente ao seu quarto. Fixou seus olhos nos trabalhos de sua mãe que se estendem por toda a grande sala até a entrada da cozinha. Trata-se de belos tapetes de crochê brancos com alguns detalhes verdes e lindas flores vermelhas bordadas por toda a sua extensão. Mais súbitas que as memórias de sua mãe, são as lágrimas que incessantemente puseram-se a cair, secou o rosto e pressionou os dedos contra os olhos, coçando o direito de maneira brutal e satisfatória.

     Atrás de Ulisses, logo abaixo da janela e das cortinas carmim encontrava-se o velho balcão de trabalho, de cor Carvalho escuro, que pertencia a sua mãe. Apoiado sobre ele, desviou os olhos vermelhos e alérgicos para um antigo porta retrato que ali repousava, e viu mais uma vez o doloroso sorriso da sua saudade.

     Seus pensamentos puseram-se a falar pois sua boca fora oprimida pela dor angustiante da saudade.

     — Minha rainha, a vida que sonhei para nós não posso realizar. Agora não me resta nada. — Disse em pensamento olhando para a fotografia sobre o velho balcão.

     Imóvel e oprimido pela saudade o jovem rapaz respira fundo em uma tentativa desesperada de controlar suas emoções, o ar gélido do inverno preenche seus pulmões fadigados e a irritante coceira no nariz torna a incomodá-lo. O vento invernal sopra veloz fora da casa e pode-se ouvir o retinir da porta metálica da sala. É uma porta de alumínio com outra porta auxiliar de vidro que serve como uma janela. Há uns meses atrás Ulisses colou jornais nos vidros para a luz não entrar.

     "— Está na hora" — Pensou Ulisses.

     Caminhou cuidadosamente pela sala evitando pisar nos tapetes. Enquanto caminha em direção a cozinha, olha para o lado direito, através da velha porta sanfona marrom, e se vê tentado a voltar para cama. Mais a frente na mesma parede uma outra porta sanfona, dessa vez branca, que o faz desviar o olhar. Um feixe de luz vindo da cozinha a sua frente tira sua concentração e sem a intenção, Ulisses pisa em um dos tapetes de crochê. Instintivamente ele coça o olho direito com excessiva força e muito irritado, mas prevendo que todos esses sentimentos seriam amenizados; continua o trajeto até a cozinha.

     Logo na entrada há uma mesa com tampo de granito e uma toalha de plástico florida de girassóis. Um cheiro intenso de comida azeda exala de dentro do forno próximo a pia da cozinha, foi a última refeição que a mãe de Ulisses o fizera. Ao lado do forno fica o antigo armário de madeira escura que seu avô deixou para sua filha, sobre ele tem alguns eletrodomésticos e utensílios de cozinha. A geladeira também exala um cheiro podre de carne em decomposição, além disso pode-se ouvir o barulho das moscas que voam velozes pela cozinha.

     Do lado esquerdo da mesa, mais adiante em um corredor, uma porta estreita da acesso ao banheiro da casa e é lá que Ulisses encontra seus melhores momentos em vida.

     O lado direito da porta é ocupado pelo vaso sanitário branco de porcelana; em seu lado direito o box, e em sua frente um grande espelho embaçado, e ao lado do espelho uma pia repleta de muitas lâminas sujas de sangue.

   O jovem apanha uma lâmina dentro da pia e senta-se sobre a tampa da privada.

    Ulisses coloca o seu telefone no chão e apoia o braço direito sobre o mesmo joelho e com a lâmina na mão esquerda efetua um pequeno corte horizontal em seu pulso que imediatamente expele um sangue vermelho quase brilhante e a dor física o faz esquecer dos pesares do seu coração. Sempre que o sangue coagula Ulisses efetua um novo corte cada vez profundo e sangrento.

    As horas passam e o jovem Ulisses continua refugiado na sua dor física.

     — Não fode, Francine... — Disse ele com voz fraca e sem vitalidade, quando recebeu a ligação da namorada.

O suicídioOnde histórias criam vida. Descubra agora