Naquela noite de inverno a mulher de cabelos grisalhos mais uma vez realizava a sua rotina, quase debilitada pela velhice, Jamie enchia a banheira de água e olhava seu reflexo, por 10, 15 minutos, e até mesmo horas na esperança ver o rosto de alguém que ela amara uma vida inteira. Ela notara que apesar dos anos a aliança em seu dedo anular esquerdo ainda brilhava, refletindo nela a dor e a saudade, lembrando-a o quanto ela havia amado alguém e perdido.
A morte. Jamie teve que lidar com perdas muito cedo, uma infância negligenciada pelos pais, a separação dos irmãos, o orfanato na adolescência e a cadeia no início da vida adulta. Morte é perda, afinal. Mas o tipo de morte que ela não estava preparada era aquela de alguém que se amava mais que a si mesma, a jardineira realmente nunca esteve preparada para perder sua melhor amiga, o amor da sua vida, sua esposa. Mas entendia que amor é isso. Amar alguém era arriscar ter parte de si arrancada na hora da perda. Parte dela morreu com Dani também, depois que ela se foi, Jamie era como a dama-da-noite em modo reverso, viva de dia, morta a noite, completamente mergulhada na esperança de rever a sua amada.
Ela suspirava, levantando devagar do chão do banheiro, indo em direção da pia, ela mais uma vez ligava a água e contemplava o próprio reflexo. Jamie não tinha ninguém, Jamie não tinha nada além das lembranças de que um dia fora completa. Ela vê seu rosto no espelho e analisa as rugas. Ela está cansada, seu corpo dói, e seus movimentos são tão lentos por conta da idade, mas ela nunca deixou que isso atrapalhasse seus costumes noturnos, ela na verdade não poderia dormir se não o fizesse.
Caminhando até a sala, ela abria um pouco da porta como todas as noites antes de sentar em sua poltrona. Hoje, em especial, ela sentia que seu tempo estava escasso, ela então mantinha todas as suas forças para fazer tudo aquilo uma última vez, ela realmente não sabia o quanto ainda tinha para viver ali sozinha sem precisar da ajuda de ninguém. Um dia de cada vez, ela pensou, antes de encarar a porta pela última vez e fechar os olhos, deixando seu pensamento levá-la para seus dias mais alegres.
O sorriso de Dani.
O dia em que ela se deu conta de que estava perdidamente apaixonada pela loira.
O pedido de casamento.
A compra dos móveis do apto novo, o apartamento delas.
Ela sente seu coração acelerar quando lembra do aniversário de 2 anos delas, 3, 6...
E então tudo fica escuro.
O ar parece faltar, o breu consome suas lembranças e de repente Jamie não sabe quem é. A sensação de perda a invade de novo, só que dessa vez era diferente, dessa vez ela estava perdendo a si mesma, ela tenta puxar o ar e sufoca, ela tenta se mexer, e não consegue, é como se ela simplesmente estivesse deixando de existir. Ela estava?
Escuridão.
Inexistência.
E no próximo segundo, ela estava em pé, de frente para si mesma, ela olhava seu corpo largado na poltrona, seu corpo inerte, seu corpo morto.
Ela sente desespero. E não entende nada, olha para suas próprias mãos que agora estão sem rugas e parecem muito mais fortes, ela se sente mais forte também, ou na verdade, é apenas a total ausência de fraqueza do seu velho corpo. Jamie então corre pela sala direto ao banheiro, ela precisava se ver no espelho. Susto. Ela sabia que se estivesse respirando o seu ar falharia, mas ela não estava, ela não sentia seu coração bater acelerado apesar de estar em total alerta.
Ela então se vê, jovem, o cabelo enrolado e escuro nos ombros, nenhum fio branco cintilante, o rosto perfeito, refletindo a beleza que um dia tivera e que havia sido levado com o passar dos anos. Ela olha para os lados, como se querendo comprovar de que não estava louca, de que realmente era como se houvesse voltado no tempo, ela estava novamente ali, na flor da idade, mas não se sentia viva. Que estranho.
Então um barulho a desperta de seus questionamentos, ela arregala os olhos atenta a qualquer próximo sinal de que não estava sozinha, e então ela sabe que a porta do pequeno apartamento está sendo aberta, lentamente, e ela sabe porque ela nunca se deu o trabalho de consertar o problema de ferrugem de alguns parafusos da mesma, e ela não o fez porque o barulho a acordaria se um dia Dani voltasse.
Jamie decide caminhar lentamente e cautelosamente para fora do banheiro, atenta a qualquer ameaça. A única luz na sala vinha de fora da porta sendo aberta, cada vez mais, e então um braço está empurrando, e a jardineira para ao lado do seu corpo morto, quando percebe que reconhece as mãos, reconhece a aliança, ainda paralisada ela então se esforça para levantar seu rosto, completamente apavorada de estar apenas sonhando, de que não seja real, de que ela não esteja realmente vendo a mulher que por tantos anos esperou voltar, aquela para quem ela deixava a porta aberta todas as noites.
O cabelo de Dani brilhava por causa da luz, o seu rosto com todos os seus detalhes continha um sorriso grande, Jamie então sabia que ela lembrava da vida que tiveram juntas, de que ela estava ali, com seus olhos cheio de lágrimas voltando para ela. E então, no próximo segundo elas estão se colidindo uma contra a outra, num abraço tão apertado e regado a lágrima, felicidade e incredulidade que o fazia ser completamente único. A jardineira não entende, ela apenas coloca suas mãos no rosto da sua amada, uma de cada lado, e a observa, sobrancelhas, olhos, nariz, boca, pele, a maciez do cabelo, o toque, o cheiro, era mesmo Dani, sua Dani, e ela chora. Chora como nunca antes, pois nem mesmo viva ela sentiu tanto como sentia agora.
- Como? - Pergunta com a voz falha, encostando a testa na da mulher que amava.
- Viola se foi, estou livre, estamos livres e eu estive esperando por você... estive esperando você - A loira diz emocionada, a voz embargada a denunciando o esforço que estava fazendo para manter-se quase calma diante o seu grande amor, ela tinha tanto para falar, ela queria contar do medo, das lembranças quando se foram, do vazio, e da imensa certeza de que mesmo quando fora roubada de si, ela sabia que amava e fora amada, e era amada - Ela aceitou o seu destino e eu... não iria sem você, Jamie.
- Estamos aqui agora - A jardineira responde fechando os olhos, sentindo cada toque dos braços que a envolviam. Naquele instante ela não queria pensar em mais nada, ela na verdade só conseguia focar de que estava novamente nos braços de sua mulher, ela não sabia o que havia acontecido com ela mesma, com Dani, com o mundo, ou o que iria vir depois, mas no momento não importava, porque no momento, era apenas: - Eu, você...
- Nós.
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You, Me, Us. - Damie ONESHOT
Fanfiction...pelos restos de seus dias, a jardineira contemplaria seus reflexos, na esperança de ver o rosto dela, sua própria mulher do lago. Deixava a porta aberta à noite, só uma fresta, na esperança que seu amor retornasse. Final alternativo onde a Dani r...