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"Amar não é olhar um para um para o outro, é olhar juntos na mesma direção."
-Antoine de Saint-Exupéry
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Andando pela cidade entrei em uma livraria pequena, sai de lá com um livro largo de arte, uma coletânea de obras bonitas de uma série de artistas. Segui voltando com um único rosto preso a mente e o livro sendo o único objeto que levava nos braços.
Encontrei Jimin na praia usando aquela mesma camisa branca de algodão larga demais para seu corpo que deixava um tanto de pele exposto. Seu tudo nele exibia elegância, desde seus dedos pequenos, seus olhos expressivos e cada fio de cabelo.
Ele tinha brincos de prata nas orelhas e um longo colar de camurça no pescoço, olhava o mar com os pés na areia descalços e rabiscava algo em um caderno de bolso, eu amava quando ele passava horas desenhando apenas para me mostrar entusiasmado alguma imagem e depois gastava ainda mais tempo divagando sobre cada linha marcada no papel. Eu não entendia, as vezes tentava fazer um comentário ou outro mas sempre me calava quando notava que estava usando as palavras erradas.
Eu nunca o entendi bem e acho que minha incompreensão sempre foi letal para ele.
O vento parecia um suspiro que bagunçava seus cabelos loiros, era infeliz a ideia de que algo pudesse desordenar o que quer que fosse naquela figura, e eu queria poder ajudá-lo com isso mesmo que essa não fosse minha intenção quando me aproximei com passos calmos, me sentando na areia da praia vazia, ignorando o fato de que ela iria sujar minhas roupas escuras. O por do sol trazia o cheiro salgado da água e haviam poucas gaivotas solitárias voando sobre nós, o céu não estava limpo de nuvens mas seu azul pastel era visível enquanto se convertia em tons de amarelo e roxo.
Lhe entreguei o livro e o vi olhar-me com surpresa mesmo que não quisesse expressar. Deixou de lado o desenho que fazia com um pedaço de carvão e a ponta de seus dedos foi limpa no tecido do shorts, ele parecia ter mais cuidado com como segurava aquele livro do que com a forma despreocupada que me olhava fazendo-me sentir menos importante do que aquelas imagens.
Isso me furava o peito.
Eu nunca iria compreendê-lo e aqueles desenhos sempre teriam mais valor para seus pequenos olhos do que qualquer pessoa poderia vir a ter.
Ele perguntou porque comprei aquilo, respondi dizendo que havia sido um presente para ele.
Ele me perguntou porque escolhi aquele livro.
Respondi que havia escolhido porque tinha o achado bonito.Seus olhos desviaram o caminho dos meus. Por mais que seu rosto se mantivesse neutro os olhos não estavam tão brilhantes após minha fala.
Eu havia errado as palavras novamente.As vezes eu achava que ele ficava verdadeiramente triste, como se quisesse olhar para meus olhos com o mesmo encanto que usava para admirar tudo aquilo, mas meus passos em falso sempre destruíam nossas chances.
Folheamos as páginas juntos lentamente, ele parava e lia algumas das linhas miúdas abaixo das obras e as vezes perdia tempo alternando o olhar entre o mar e os próprios dedos. Era estranho. Eu também tentava olhar para lá, buscar na direção que ele lançava os olhos o mesmo que o chamava a atenção. Mas não havia nada o que se ver. Mesmo assim, ele parecia deslizar os mirantes por todos os traços das ondas que quebravam na areia e depois analisar os quadros e fotos no livro como se buscasse semelhanças, mesmo que não houvessem semelhanças que eu pudesse reconhecer.
Era como se ele pudesse ver os fantasmas daqueles artistas, e eles lhe contassem segredos que eu não podia ouvir. Se fosse assim, talvez até o mar falasse com ele e se recusasse a dirigir a palavra para mim.
Quando mais uma folha é virada o que me parece ser um desenho abstrato é exposto a nossos olhos. A tela branca era ocupada por uma série de três quadrados de tons de cinza e marrom que se sobrepunham de maneira estranha. Dentro deles, ou melhor, nos pontos em que pareciam estar ligados uma linha preta corria como um rio irregular, cruzando o interior daquelas formas de maneira rebuscada. Lembrava a copa de uma árvore grande sendo sustentada por um pequeno caule torto.
O sinto prender a respiração e apenas a soltar para prender novamente enquanto permite que os dedos toquem a figura impressa, desenhando sobre o próprio desenho formas indecifráveis que não deixam rastro.
Todos os seus suspiros pertencem a aquela imagem como se ela o chamasse pelo primeiro nome.
Levei minha mão até a sua, tocando a pele fria pelo vento e sentindo sua textura macia, mas ele afasta meus dedos com a mesma delicadeza que usaria para tirar as cinzas da ponta de um cigarro o batendo com leveza no cinzeiro. Não precisamos de mais palavras a esse ponto.
Me mantenho em silêncio e distante enquanto o vejo admirar aquele mesmo quadro e percebo que mais uma vez aqueles malditos fantasmas estão conversando com ele. Estou a parte da conversa, talvez eu sequer mereça ouvi-la já que almejo isso apenas para entender o assunto que corre pela mente de Jimin, mas me partiria o coração ouvir de sua voz aquelas mesmas palavras.
"Vamos mudar de assunto Yoongi, o que fez hoje pela manhã?"
Assim iríamos entrar em outra conversa enquanto o livro, tão importante para ele, seria fechado e deixado a nosso lado.
Por isso, não digo nada. Apenas observo seus olhos buscarem no mar distante de nós imagens que eu não posso ver, eu só posso ver ele, meus olhos só buscam ele.
Talvez seja por isso que as coisas não funcionem.
Ele olha para longe, eu olho para ele.
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Sea
Fanfiction(Oneshot/conto) Yoonmin Jimin era tão intenso quanto o mar, Yoongi estava perdido em suas ondas.