Olhos

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- Você está me olhando faz quase uma hora, sabia?

- Hum? Ah, me desculpe… É que… Os seus olhos são bonitos. Dá eles para mim?

Pousei o livro á minha frente e olhei incrédulo para o garoto na mesa ao lado da minha. Acabado de chegar aquela cidade, tomado pela curiosidade de investigar os estranhos desaparecimentos repentinos de pessoas naquela zona nos últimos dois anos, nunca pensei criar contacto tão rápido com alguém e ainda assim ali estava eu, começando a conversar com um garoto que não conhecia de lado nenhum. De cabelos negros e olhos castanhos, o seu charme parecia cativar quem o rodeava e o seu sorriso meigo não parecia demonstrar qualquer maldade nas suas palavras. Ou pelo menos, era assim que eu o definiria...

- Lamento, mas eu também gosto deles, então não vou dar para você.

- Ohhh…

O seu ar desanimado e o seu murmurar baixinho, quase inaudível, me fizeram ficar ainda mais curioso sobre a sua identidade. Ao contrário de todos os outros seres humanos naquele café e da maior parte das pessoas com quem me cruzei na vida, ele me chamou a atenção. Não era fácil puxar assunto comigo, ainda assim, o seu ar inocente que contrastava perfeitamente com as duas cicatrizes que o acompanhavam, o “X” no peito e o corte debaixo do olho esquerdo, me deixaram intrigado com a sua origem e as suas intenções.

- Ficou desanimado?

- Eu queria ter eles…

- É impossível. – Sorri. - Mas me diga, qual o seu nome?

- Luffy, prazer! E você?

- Law. Trafalgar Law.

- Tral… Toraf… Tragar… Torao!

Ele sorriu, quase como se tivesse feito uma incrível descoberta e eu, contra a minha vontade, aceitei o apelido ao ver que o seu humor melhorara consideravelmente. Enfim, acabamos falando um pouco mais até eventualmente, ficar tarde e eu seguir para casa.

Foi assim que eu o conheci. Através do meu olhar âmbar, quase dourado, que trouxe ele até mim e no dia seguinte, lá estava ele, de novo a encarar-me como se me esperasse. Durante a semana seguinte também… E na outra a seguir, se repetiu… Cada vez mais, á medida que nos relacionávamos, o mistério em volta dele sobre o porquê de se cativar comigo rodeava a minha mente, tanto que substituí o meu objetivo inicial de resolver o mistério por trás dos desaparecidos, pelo de achar uma resposta para essa pergunta.

Eu nunca fui alguém fácil de lidar e nem facilitei para ele, ainda assim, isso só parecia incentivar Luffy a continuar a tentar conhecer-me.

- Ei, Torao… O que faria se eu dissesse que o seu olhar me cativou a me aproximar de você e que quero algo mais do que só amizade?

Foi um dia, á beira mar, que do nada, ele falou aquelas palavras. Fiquei quieto, é certo, um tanto pelo choque, um tanto pela ansiedade perante o ar sério que ele nunca fazia. Não sabia se tinha interpretado certo o que ele falou, mas esperava que sim.

- Luffy, eu-

Ele saiu a correr e parou mais á frente. Quando comecei a correr na sua direção, ele voltou a fugir até eu o apanhar, finalmente, uns 300 metros depois, num jogo de apanhada que durou alguns minutos. Não sabia como ele tinha tanta energia, mas parecia divertido com a situação.

- Deixei você sem folgo, Torao?

- Não… Brinca… Com isso… - Falei entre a respiração ofegante. Ele só sentou na areia de frente para o mar e eu, cansado, fiz o mesmo.

- Torao… Sabe qual é o olhar mais belo?

- Vai dizer que é o meu?

- O seu é único, mas mais do que isso… É aquele que tem poder sobre todos os outros. – Atentei nas suas palavras. Ele prosseguiu. – Mais do que apenas a sua cor, um olhar é o espelho da alma. Um olhar frio e calculista que causa um arrepio na espinha de quem o encara tem a sua beleza. Um olhar apaixonado tem um brilho único. Para mim, um olhar apavorado, ao ser traído por quem ama, tem uma tristeza aterradora. E eu sei que para você, o mais bonito, é o olhar repleto de sofrimento acompanhado de um sorriso encantador, de quem não quer ver os outros mal.

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