Em uma clareira cercada por tochas para iluminar o que a lua cheia não consegue, vários espíritos e criaturas se reúnem para comemorar a vinda do ano 3500. De pele avermelhada, longos cabelos ruivos, vestindo uma surrada bermuda de brim esverdeada e jaqueta de pele de onça aberta na frente mostrando boa parte de seu corpo dotado de músculos, Kadu, um Curupira, se espreguiça em uma rede.
— Ah! Eu realmente estava precisando disso! — Kadu se balança nela enquanto uma Caipora se aproxima a passos lentos.
— Como é preguiçoso... — diz a protetora das matas, vestindo uma espécie de armadura de couro. Os longos e lisos cabelos escuros da jovem estão soltos e brilhantes. Ela fixa suas íris de cor âmbar nas íris verdes do amigo.
— Eu preguiçoso? Ha! Está precisando se retratar, Kauane... expulsei homens que caçavam sem propósito algum até ontem!
— E daí? Eu tive que afugentar mulheres que estavam arrumando peles de onça mais do que o necessário até hoje de manhã.
— Isso aí não é nada, Caiporinha — uma mulher trajando um longo e colado vestido azul escuro aparece atrás de Kauane.
— Oi, Iara, pensei que não viria... — Kauane diz enquanto tenta não ficar boquiaberta com a beleza da recém chegada.
— Tive que limpar vários rios outra vez até agora pouco, tinha praticamente diques feitos de lixo em todos eles! — Iara joga seus longos cachos castanhos para trás como se quisesse se livrar de alguma coisa extremamente pesada em suas mãos.
— Esses Potiras são poucos mas dão um trabalho... — diz Kadu que logo suspira.
— Deveríamos dar uma lição neles de uma vez por todas. Quem sabe uma surra semanal... — diz um homem que acaba de chegar, com boa parte de seu alvo esqueleto a amostra.
— Credo, Argus, você sempre tão cruel! — Kauane sente as têmporas latejando, odeia quando algum guardião prefere maltratar algum Potira para manter a floresta de pé.
— E você sempre prefere limpar a sujeira desses vermes do que acabar com eles... — Argus, o Corpo Seco, tira algumas mechas de seu cabelo escuro, que vai até a altura de seus ombros, para fixar suas íris carmins nas íris amareladas da Caipora.
— Sabia que somos guardiões e não assassinos ou destruidores? — Kauane diz entre dentes.
— Os primeiros guardiões não diriam a mesma coisa... — Argus dá de ombros e, acendendo um cigarro, começa a tragar e lançar a fumaça na cara da Caipora.
— Esquece os primeiros guardiões. — Kauane, tilintando de raiva, sai da fumaça de Argus. — Eles erraram feio. Há caminhos melhores para trilhar do que esse, os que não tem violência por exemplo.
— Vocês amam tanto os Potiras que às vezes acho que deveriam adotar alguns deles, em uma semana já estariam loucos para matar um — Argus se acomoda em uma espreguiçadeira.
— Porque estão falando tanto nos Potiras, justo hoje que deveríamos esquecer os problemas e ir festejar? — Iara, percebendo que o clima está ficando cada vez mais tenso, indaga aos presentes na tentativa de dissipar boa parte do clima pesado que se formou ali.
— Verdade, é ano novo, vamos curtir — Kauane, se esforçando para não socar Argus até virá-lo do avesso, concorda com a sua amiga e companheira de missões.
— Uhulll! É isso ae! Tut's tut's tut's! — Kadu pula da rede e começa a dançar.
— Ai, Tupã, estou passando vergonha... — Kauane tapa o rosto com as mãos.
— Purfff! Hahaha! — Iara acha graça nos movimentos desordenados do Curupira — Caramba Kadu que dança horrível é essa?
— Está mal dos pés ou com dor nas costas? Parece que foi atingido por uma flecha... — Argus comenta, ainda fumando.
— Vocês estão é com inveja — Kadu diz e ri. Ele dança melhor do que todo mundo ali mas prefere fingir que não só para fazer os outros rirem.
— Dessa dança aí? Hahaha! Me poupe, querido! — Iara diz enquanto se abana com um leque feito de penas de pavão.
— Não, estão com inveja de mim por ser tão extrovertido e não deixar nenhum problema ou preocupação estragar o meu dia.
— Aí, Anthonny —, Kauane se dirige até um homem com cabeça de abóbora — você viu aquela bruxa verde? Estou a horas procurando a Cuca para...
Quando ele ia falar algo uma feiticeira com aparência de jacaré, sua criadora, aparece: — Cheguei! Aaaaah! Eu não acredito que começaram a festa sem mim!
— Calma, Jaciara... — Kauane pede e a feiticeira grita.
— Aaaaaaah!
— Meus. Ouvidos. Vou. Morrer — diz Anthonny, o homem com cabeça de abóbora.
— Mas o que...?! — Kadu tapa os ouvidos já sentindo dor de cabeça, depois que a feiticeira para de gritar, ele vai até onde ela está: — Que droga, Cuca, por que gritou?!
— E ainda me pergunta o por que?! Seu infeliz! Não me esperaram para começar a festa! Já não basta terem me esquecido na hora de mandar os convites!
— Calma que você não perdeu nada... — Anthonny diz enquanto acende uma tocha com outra.
— Cadê a mesa do banquete?! — a Cuca pergunta a Caipora que logo lhe responde:
— É bem ali, se quiser eu vou com vo...
— E o que estamos fazendo paradas aqui?! Vamos logo para lá! — Jaciara arrasta Kauane até onde está a mesa abarrotada de alimentos.
— Essa maldita jacaroa deveria ter mais modos! — Iara resmunga assim que a feiticeira sai de perto.
— Realmente... — murmura Argus entre um trago e outro. — Acho que de todos aqui ela é a que menos faz alguma coisa, o líder deveria dispensar ela pois é inútil, só nos dá mais trabalho...
— A Cuca? Ela fez muito por nós no passado... — Kauane aparece atrás deles com uma fatia de peixe assado em mãos.
— Isso mesmo: no passado... já hoje ela não faz mais nada de útil — Argus fecha os olhos e coloca os braços em baixo da cabeça.
— Qual é o seu problema, Argus? Você quer sempre acabar com alguém. — Kauane retorce o semblante em ódio novamente.
— Eu quero apenas o melhor para os meus colegas que se matam de trabalhar, ninguém aqui merece carregar ninguém nas costas ainda mais alguém como a Cuca — o Corpo Seco se levanta e vai até a mesa do banquete.
— Relaxa, deixa o Argus para lá — Kadu coloca a mão no ombro de Kauane.
— Vou tentar — a Caipora sorri para ele.
Quando todos estavam em volta da mesa do banquete, uma chuva de flechas os atinge.
— O que é isso?! — Kauane, assim como os outros colegas, usa uma bandeja para barrar mais flechas e vai para de baixo da mesa.
— Um ataque dos Potiras?! — Kadu, ao lado da Caipora, observa entre as toalhas da mesa.
— Não é possível! — Iara também observa, entre as toalhas da mesa, pessoas usando armaduras, munidas com lanças e tochas, se aproximando da clareira.
— Estamos cercados! — Jaciara segura o focinho com ambas as patas e tapa os olhos usando a cauda.
— Mas... que... droga... — Kauane sussurra e logo passa a suar frio.
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Guardiões Rebelados
RandomÉ 3500 e os Guardiões da Amazônia vivem em um mundo onde seres humanos estão quase extintos. Toda a terra se tornou um paraíso verde, onde novas espécies de animais e plantas estão por toda a parte. A maioria dos carros, aviões, naves espaciais, fáb...