Honra

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A estação estava vazia, ainda não estava no horário de pico. Os lances de escadas ainda não estavam aglomerados de trabalhadores desesperados para retornarem para suas casas. Desciam juntos cada degrau, evitaram a escada rolante, talvez quisessem aproveitar os últimos minutos. A cada degrau que desciam, podiam sentir seus corações acelerando, as respirações ficando frenéticas e as nucas suarem.

As paredes eram cinza, as escadas eram cinzas, a poeira era cinza e o momento era cinza. Cinza.

Quem via aqueles dois homens descendo as escadas, jamais imaginaria que estavam condenados. Desviaram de uma poça de refrigerante e avistaram a funcionária responsável pela limpeza da estação se aproximando. Função cinza. Evitaram tocar nos corrimãos, com certeza se sujariam se tocassem, não que naquele momento aquilo importasse, mas desejam manter a dignidade pelo menos naquele momento. Dignidade cinza.

O mais jovem tremia, sentia um calafrio percorrer pela sua espinha até o último fio de cabelo castanho. Olhou para o lado, uma propaganda azul e amarela lhe chamou atenção e o fez parar no meio do percurso. Era a única cor presente naquele mundo subterrâneo vazio e cinza.

"Faça sua pós-graduação na melhor universidade do país."

Engoliu o choro.

— Eu sinto muito. — O mais velho parou alguns degraus abaixo. Olhou nos olhos castanhos do rapaz acima dele e respirou fundo. — Eu realmente sinto muito.

Passou a mão esquerda pelos cabelos grisalhos e voltou a descer a escadaria cinza. Passos firmes e decididos, era reflexo de sua personalidade forte e dominante. Ajustou os óculos de grau e guardou as mãos nos bolsos do casaco verde musgo que vestia. Era seu casaco favorito. Apesar dos cabelos serem grisalhos, o homem tinha apenas quarenta anos, se vestia como um jovem e ouvia músicas de jovens. Talvez não aceitasse que o tempo estivesse passando mais rápido do que gostaria.

— A gente precisa mesmo fazer isso? — Perguntou o mais novo assim que conseguiu alcançar seu colega.

— Você sabe que sim.

Faltavam apenas mais cinco degraus para finalmente chegarem na plataforma e aguardarem o próximo metrô. Se dirigiram até a ponta da plataforma, lá pararia o último vagão. Um relógio digital declarava um minuto de espera para o próximo metrô chegar. O mais novo tentou não pensar em nada, mas sua cabeça estava prestes a explodir como uma bomba nuclear. Já o mais velho se manteve calmo. Ouviram então o barulho do metrô se aproximando. O som metálico era ameaçador, infernal e agudo. Aumentava a cada segundo. O rapaz olhou para o colega que retribuiu o contato com um olhar sereno. Seus olhos pretos brilhavam e um leve sorriso surgiu em seus lábios.

O metrô estava cada vez próximo, o barulho cada vez mais alto e o desespero cada vez maior. Firmou o corpo no chão e fechou os olhos castanhos, em seguida sentiu gotas quentes se chocaram em sua face, junto de um barulho bizarro que bateu diretamente em seu tímpano. Abriu os olhos, colocou as mãos sobre a boca.

— Não! — Gritou histericamente. — Não! Não! — Agarrou seus cabelos e deixou-se cair de joelhos na poça de sangue.

Olhou para o que sobrou do amigo, um par de pernas presas entre o trem e a plataforma, o tecido do jeans preto completamente ensanguentado, os vagões com borrões vermelhos manchando o metal e as janelas. As pernas continuavam rodando como hélices de helicóptero até o metrô parar. Os passageiros gritavam horrorizados com a cena.

Não se conteve, vomitou assim que percebeu que o sangue de seu amigo escorria pelo seu rosto. Olhou para o lado e vomitou de novo, dois segundos atrás seu amigo estava vivo e agora estava a dois centímetros de distância do que sobrou do colega, um par de pernas destruídas e uma poça de sangue.

HonraOnde histórias criam vida. Descubra agora