À espera

7 1 0
                                    

   Sophia estava agasalhada, com toca, luvas, cachecol, num inverno de -10°C, em um restaurante simples à beira da estrada, uma rodovia, cujo acostamento estava tomado por “crostas” de gelo sujo pela fuligem solta pelos carros que ali passavam em uma velocidade média de 80 km/h. Enquanto a garota tomava seu café e assistia o noticiário dentro do restaurante quase vazio, com uma média de umas quatro pessoas, onde servia também de pousada, ela esperava ansiosamente por sua mãe e seu irmão de 10 anos, que pegaram estrada em sua caminhonete prata, com o objetivo de visitar sua filha, pois a garota morava sozinha na “cidade de gelo”. Sophia olhava de forma apática pela janela embaçada pela umidade do ar, a estrada quase que coberta pela neve suja, que era jogada no acostamento pelos carros que passavam acelerados pela rodovia. Era 10h30min da manhã, horário combinado para se encontrarem no tal restaurante. A sua mãe já deveria estar chegando, o seu coração batia de tanta ansiedade, até ser interrompida por uma notícia urgente que estava sendo transmitida no antigo aparelho televisor de 30 polegadas do restaurante:     “Ocorreu um acidente hoje, às 09h50min onde uma caminhonete prata tombou ao perder o controle e se chocou bruscamente com os postes de iluminação, próximo à Vila Greenspace. O condutor buscou frear e não ultrapassar o limite de velocidade, mas acabou perdendo o controle do veículo, o que resultou na sua derrapagem e na morte imediata do motorista e de uma criança que estava no banco de passageiros, os corpos não foram identificados, com vocês Diane Briggs para o TV News’’.
    Sophia ficou estática, de modo que não se via reação em seu rosto, com seus lábios brancos e olhar fixado em direção à parede, corpo duro, imóvel, ficou ali por cinco minutos, sem sinal de consciência. Por alguns minutos era possível ouvir tanto as batidas do seu coração como a sua respiração ofegante. Até o momento em que desceu uma lágrima que percorreu rapidamente o seu rosto, que pareceu representar o seu estado de choque que passou a sair de forma líquida dos seus olhos, que tornou possível o movimento de suas mãos para pegar seu celular. Enquanto procurava acionar um contato, cujo número que digitava era o de sua mãe, ela se entregava ao sentimento de pânico e desespero, e uma corrente de choro acabou rompendo o aparente silêncio daquele local. A garota parecia estar em meio ao nada, a notícia a deixou cega e surda ao que estava ao seu redor, nada de barulho de carros, pratos, nem televisão. A chamada foi finalizada com a notificação “sem sinal”, e o mesmo foi se repetindo na terceira e quarta ligação: “sem sinal”. A tela de seu celular tomava a forma de um vidro alagado por suas lágrimas, até o momento que a garota teve sua atenção voltada a um diálogo de duas mulheres que acabavam de entrar no restaurante: “Disseram que a criança do acidente sobreviveu, mas foi levada para o hospital de Greenspace, pois estava sangrando muito”. Imediatamente num impulso, a garota saiu do restaurante, e começou a correr pelo acostamento sobre as camadas de neve em direção ao hospital Greenspace que se localizava a 2 km do restaurante.   Correndo contra o vento congelante que batia em seu rosto, que congelava as suas lágrimas e ressecava a sua pele, a garota continuava... Perdida em meio aos seus sentimentos, sem expectativas, várias hipóteses, sem ideias, em negação interior, seu corpo não sentia efeitos físicos, ela estava anestesiada em seu pânico, correndo, num mundo cinza e real que estaria por vir em sua vida.
    Ela chega ao hospital, ambulâncias com os giroflex ligados, com suas sirenes ligadas e transformando aquele ambiente em um drama indesejável para qualquer um. Ela entra no hospital, se depara com cirurgiões mascarados com jalecos e luvas que estavam por toda a parte e se assombra com o barulho de macas pelos corredores, pessoas gemendo de dor e outras chorando, possivelmente, lamentando a perda um ente querido. A garota observa esse cenário, como se tudo ocorresse em câmera lenta, até o momento que ela escuta a seguinte frase: “Os acidentados estão na sala 8, o corpo adulto deve ser coberto, a criança não vai aguentar, corram!”. O corpo de Sophia perdia as forças, devido ao cansaço, o seu pânico, o seu medo, o seu desespero. Embora não quisesse, mesmo contra a sua vontade, as suas pernas se moviam em direção à sala 8... com seu rosto branco, inchado, acabado, avista a porta aberta... e ao se aproximar, a garota se depara com os corpos. Seus olhos demonstraram algo, um sentimento que até então não havia provado, algo inexplicável, uma mistura de medo, dor e receio. Ela novamente trava, sem reação, uma garota, um ser humano atacado por emoções, sente seu celular vibrando, o coloca ao ouvido e o atende, sem tirar os olhos do homem idoso morto e de uma criança de traços asiáticos, ferida ao seu lado, vítimas do acidente: “Oi, alô, filha? Eu cheguei no restaurante, onde está você?”.

(Guilherme Graf)

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Oct 26, 2020 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

À esperaOnde histórias criam vida. Descubra agora