Capítulo 1

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Parecia mais um dia normal de escola. Pelo menos, mais um dia normal de escola para os meus parâmetros...
Eu estava sentada ao lado da janela, olhando distraidamente para o céu, enquanto o professor de biologia explicava algo que eu me recusava a prestar atenção. Passos altos no corredor acompanhados do forte odor de meu melhor amigo me chamaram a atenção. No mesmo instante em que um alerta em meu distraído cérebro de que algo estava extremamente errado apitou, a porta da sala do professor rabugento foi escancarada por Harry, que me procurou com o olhar com uma expressão desesperada no rosto. Ali eu já tinha entendido: estava na hora de partir. De novo. Enfiei meus poucos pertences as pressas na mochila enquanto o professor olhava exasperado entre eu e Harry, interrompendo sua explicação e xingando-o de estar atrapalhando sua aula, percebendo que algo estava errado.
  - Onde você pensa que vai, senhorita Maler? - ele parou de esbravejar para Harry e voltou sua atenção a mim, me chamando pelo nome que eu tinha dado com os documentos falsos para me inscrever na escola.
  - Embora. - respondi, sem muita delicadeza enquanto me levantava e seguia em passos apressados até a porta, ao mesmo tempo em que botava a mochila nas costas.
  - Ah, mas não vai mesmo! - respondeu o professor, enquanto tentava barrar a minha passagem. Desviei dele e continuei meu caminho, passando por Harry, que me seguia e fui indo em direção ao meu armário, que ficava no caminho da saída da escola. O professor, na porta da sala de aula, esbravejava coisas sem sentido que eu não prestava atenção.
  Harry estava ao meu lado, olhando para os lados como se eles fossem aparecer a qualquer momento.
  - Quanto tempo temos? - perguntei, enquanto abria o armário e enfiava meus poucos pertences na mochila quase vazia.
  - Pouco. Muito pouco. - disse ele, apreensivo, ainda olhando para os lados. Harry tinha a incrível habilidade de sentir o que estava para acontecer. Se ele falava que tínhamos pouco tempo, é porquê realmente tínhamos muito pouco tempo.
  Mesmo com ele falando, tentei sentir o cheiro deles ao nosso redor mas a única coisa que senti foram os fortes odores comuns de uma escola: creme para espinha, desodorante barato e gente suja. Eca.
  Seguimos para o carro rapidamente, desviando do fiscal de corredor que tentou nos parar. Descemos a escadaria da frente da escola como em um salto e rapidamente percorremos o estacionamento até eu entrar no banco do motorista do meu velho Jeep enquanto Harry se sentava ao meu lado. Dei partida no carro e Harry me deu as coordenadas para nosso novo esconderijo temporário. Um que talvez fosse seguro por mais alguns meses até termos que fugir de novo. Enquanto eu dirigia o carro com raiva, Harry aumentou o volume da música e eu comecei a me lembrar de que, quem tinha nos metido nesse problema todo era eu. Que eu não tinha direito de estar braba com ninguém, além de mim mesma. Comecei a me lembrar dos últimos meses e de como tudo começou...

6 meses atrás
  Eu treinava com Harry no patio dos fundos da casa que meu padrinho, pai do Harry, tinha alugado para nós três, enquanto ele trabalhava em alguma de suas quinquilharias.
  - Estou cansada de pular de casa em casa, de escola em escola - eu reclamava, enquanto desferia socos em um boneco.
  - Eu também, mas não temos escolha, Sabrina! - ele se dirigiu a mim, cansado - Seu cheiro é muito forte e meu pai não consegue ocultar 100% por muito tempo.
  Eu revirei os olhos, socando o pobre boneco com mais força ainda. Sou metade lobisomem. Meu pai era um deles, porém, ele faleceu a alguns anos atrás e, por algum motivo, meu cheiro é muito forte, causando a ira de qualquer ser sobrenatural que eu chegue perto - fora Harry e seu pai, que são a única família que eu tenho desde que meu pai faleceu. Eles são feiticeiros.
  Pierre tentou nos educar por um tempo em casa, porém, ele não tem a mínima paciência. Assim, ele nos faz estudar em escolas novas a cada 3 meses, mais ou menos. Que é o mesmo período de tempo em que nos mudamos para um local completamente diferente. Sempre com documentos falsos, antecedentes falsos.
  - Menos falatório e mais chutes! - Pierre gritou da garagem. Nos calamos e continuamos os exercícios.

  Hoje
   - Sabrina! - gritou Harry, me olhando exaspedado.
   - Que foi, inferno? Está gritando por quê? - eu estava de mal humor.
   - Eu estou te chamando faz séculos. - revirou os olhos, dramático.
   - Ok, entendi. - eu estava perdida em meus pensamentos mesmo - Que foi?
   - Qual escola você -
   - Sem escola mais. - cortei-o - Já temos 18 anos e quase sem dinheiro para livros e coisas assim. Chega de escola. - vi a chateação em seus olhos. Ele queria cumprir a promessa que fez para o pai dele e acabar os estudos. Mas no momento, simplesmente não tinha como. Harry abaixou a cabeça, sabia que eu estava certa.

Já era quase noite quando senti que algo estava errado. Eu era só metade lobisomem, então não conseguia me transformar, como um deles. Porém, meu olfato, visão e audição eram um pouco melhores que os de um humano comum. Fora a minha força, bem maior que a de um humano do meu tamanho, contudo bem menos que a de um deles.
  Senti o cheiro deles, dos que nos perseguiam faziam meses, perto como só tinha sentido uma vez antes. A vez que levaram o pai de Harry. Como se tivesse sentido meu súbito pânico, Harry despertou de seu sono inquieto. Eu acelerava o velho carro cada vez mais, mas não parecia surtir efeito. Eles continuavam se aproximando.
  Olhando para o gps, vi que saindo da estrada principal em que nos encontrávamos, a direita, havia uma pequena estradinha que serpenteava pelo meio da floresta. Estávamos em uma região onde não havia quase nada por perto. A cidade mais perto daqui ficava a, provavelmente, uns 15 quilômetros.
  - Harry, vou pegar aquela estrada. - avisei. Ficava mais ou menos um quilômetro adiante.
  - Aquilo é uma armadilha, Sabrina! Você quer mesmo ir para o meio das árvores? Eu não enxergo bem que nem você! Eles vão nos alcançar, nos caçar e nos matar! - a estrada se aproximava cada vez mais e minha cabeça girava.
  - Eu prefiro morrer lutando agora do que fugir para sempre. - Percebi que a frieza em minhas palavras o assustou. Sem pensar muito , saí da estrada principal e entrei na estradinha de terra.
  Assim que o fiz, percebi a grande burrada que havia feito. E a realização que isso poderia custar não só a minha vida, mas como a de Harry também, caiu como uma bomba em cima de mim.
 
  Mesmo com a estrada em condições não muito boas, mas claramente usada, continuei por alguns quilômetros até avistar uma clareira enorme com uma bifurcação. A única coisa que iluminava a noite nesse momento era a linda lua cheia presente no céu sem nem uma nuvem. Parei o carro e desci.
  - Se você quiser, pode continuar.  - olhei para Harry pelo vidro do carro - É aqui que eu vou ficar. - Eu, finalmente, tinha decidido lutar.
  Harry não me abandonou, se postou ao meu lado, costas para a lateral direita do Jeep, facas em mãos, assim como eu. Não demorou muito para 5 enormes lobos nos cercarem. E demorou menos ainda para o primeiro nos atacar.

Em poucos minutos, eu já tinha perdido a noção do tempo. Eles se alternavam para lutar conosco, como se, para eles, fosse apenas mais um jogo para nos cansar. Porém, eu e Harry estávamos acostumados a lutar e treinar por horas e horas e com isso eles não contavam.

Primeiro erro.

Nesse momento, vi nossa primeira vantagem. Apesar de serem visivelmente mais velhos que nós, eles estavam esperando uma luta fácil. Estavam confiantes demais. Relaxados demais.

  Segundo erro.
 
  Harry fazia o possível para manter um escudo fraco de magia ao nosso redor, para que não nos machucassemos tanto. Porém, isso o enfraquecia demais. Lutávamos como se não houvesse amanhã - e, para nós, talvez não houvesse mesmo.
  As facas, sempre postadas em nossas mãos, ajudava para mantê-los um pouco afastados. Eles tinham percebidos que éramos habilidosos com elas. Desferíamos facadas cada vez que algum deles ameaçava chegar perto demais, e também chutes precisos em seus peitos, cotovelos e nos joelhos - locais mais sensíveis. Mas eles não pareciam se abalar muito com nossos golpes.
  Em algum momento da luta, que não saberei precisar agora, as coisas começaram a ficar um pouco piores. Eles pareciam estar se irritando com o próprio jogo. Em uma das minhas tentativas de acertar um deles com a faca, eles me pegou pelo punho com a mão esquerda e pelo pescoço pela direita e me levantou do chão, me fazendo bater com as costas no carro. O que ele não estava esperando, é que eu tinha treinado exatamente como sair desse golpe e matar meu oponente em questão de segundos.
  Assim que ele largou meu pulso para pegar com as duas mãos no meu pescoço, vi uma oportunidade. Subi meus braços e acertei meu cotovelos com toda a minha força na parte interna dos cotovelos dele, fazendo-o assim me soltar. Eu consegui fazer um X no ar com as mãos - facas ainda empunhadas - na altura do pescoço dele.
  Sua cabeça rolou ao chão no mesmo segundo em que eu aterrisava ao lado do restante do seu corpo.
  Me levantei e me preparei para a próxima onda de ataques. Menos um. Porém, nesse instante, a noite ficou um pouco mais escura, os segundos começaram a passar um pouco mais devagar e uma quantidade exorbitante de cheiros diferentes tomou conta de mim. Eu e Harry nos olhamos. Os homens se entreolharam. Foi nesse momento que percebemos que estávamos prestes a morrer.

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