00 | prólogo

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Aurora Morris costumava gostar da sua cidade natal.

A grande maioria dos jovens podia considerar Abercarn um lugar entediante e pitoresco, como aqueles minutos de um filme em que ninguém presta atenção, mas Aurora sempre enxergou certa magia nas construções antigas e ruazinhas estreitas.

E, ainda que as pessoas usassem expressões como "onde Judas perdeu as botas" e "cu do mundo" para se referirem à pequena comunidade em que vivia, na área principal de Caerphilly, a garota preferiria chamar Abercarn de lar.

Era lar porque sair de casa significava encontrar familiaridade em cada rosto conhecido.

Era lar porque as estradas eram recheadas de memórias e o ar, ecoava em risadas do passado.

Era lar porque todos que ela amava estavam lá.

Mas, então, era pesadelo.

Vergonha.

Humilhação.

Em cidades pequenas, boatos se espalham mais rápido que incêndios florestais. Apenas uma faísca, e o fogo já está lá, se alimentando de tudo que está em seu alcance. As chamas são implacáveis, assim como eram os olhares de esguelha repletos de aversão e os sussurros maldosos.

Ardeu como fogo, machucou como pele sendo carbonizada. Deixou cicatrizes irreparáveis.

Aurora sabia que Dylan Black não era um bom homem. Sabia que se envolver com ele poderia ser perigoso. Ela tinha consciência de que deveria ficar longe dele, e seu desinteresse não passou despercebido pelos olhos do rapaz.

Ele gostava de um desafio, e a dona dos fios dourados não poderia ser um troféu melhor.

Ele foi diabolicamente esperto, convincente.

Ela foi tola, manipulável.

Porque homens cruéis sabem quais as palavras certas a se usar para ganhar a confiança de uma mulher.

Assim como Eva escutou a serpente e comeu do fruto proibido, Aurora acreditou nas mentiras doces do garoto e deixou-se levar por elas.

Caindo em tentação, pulando do abismo de braços abertos.

Não se pode ficar nos ares infinitamente, entretanto. Quanto mais a garota caía, mais próxima do chão ela ficava. Era inevitável. Uma hora ela teria que encontrar o solo, mas, no último momento, Dylan arrancou o paraquedas de suas mãos.

Foi brutal.

Porque um prêmio como ela tinha que ser exibido. Afinal de contas, todo o esforço do rapaz de cabelos escuros teria sido em vão se ele não tivesse uma prova.

De repente, todos sabiam. Não podia ser possível. Como?, Aurora se perguntou, e foi quando a queda aconteceu. Ela não se lembrava de ter consentido com o vídeo. Não lembrava de Dylan posicionando a câmera. Ela sequer havia notado que ele filmava.

Mas ninguém acreditou nela.

Nem quando ela insistiu que ele havia a enganado, nem quando ela bateu o pé no chão ao afirmar que eles nem tinham feito sexo.

E, simples assim, Dylan Black havia destruído sua vida.

Enquanto o homem saiu ileso, a reputação de Aurora havia ficado manchada para sempre.

Até mesmo seus pais, que costumavam ter tanto orgulho dela, a detestavam. Ela sabia que sim, ainda que Aura, sua irmã e a única que acreditara nela, afirmasse com unhas e dentes que não.

Mas como não detestariam?

Por meses, todas as pinturas da loira se resumiam a rostos embaralhados e corpos violados.

Era tudo o que ela conseguia sentir, e parecia que isso nunca ia passar.

Aurora Morris costumava gostar da sua cidade natal, mas agora não gostava nem de si mesma.

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