Entrelaços

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— Raf, Louise prefere quando usam Louie. — Foi o que Naomi falou, deitada ao seu lado na cama, os cabelos loiros espalhados no travesseiro. Rafael franziu as sobrancelhas, baixando o livro que tinha em mãos para encará-la.

— Sempre preferiu — respondeu de maneira confusa. Louie sempre corrigia quando usavam o nome completo, pedindo para que usassem seu apelido.

Naomi balançou a cabeça, mordendo levemente o lábio.

— Não é isso, Louie não se sente confortável quando usam Louise — ela falou, e Rafael deixou o livro de lado para encarar Naomi com atenção. — Mas gosta de Louie porque é neutro — continuou num tom cuidadoso. — Ele prefere pronomes masculinos, mas é agênero, nunca foi menino nem menina. — Rafael não soube o que dizer. Estava sentado, então se deixou escorregar na cama até estar deitado ao lado de Naomi, sentindo o cheiro doce dos cabelos longos dela, os fios loiros brilhando na luz da luminária.

— Isso é grande — disse, por fim, mas não se sentia tão surpreso. Naomi sorriu, entrelaçando a mão na sua e apertando seus dedos.

— Um pouco, acho, mas faz sentido, não faz? — Rafael assentiu.

— Acho que sim — respondeu com um fôlego aliviado. Louie estava tão distante desde que entrara no ensino médio que Rafael não sabia como se reaproximar do filho. Era óbvio que algo estava acontecendo, mas Louie nunca dizia nada e era sempre evasivo quando conversavam. Conversar com ele era praticamente um monólogo, mesmo que antes Louie nunca fosse falante. — Por isso ele estava tão distante? Tinha medo ou algo assim? — Ele. Era novo tratar o filho assim, mas se esforçaria para não errar.

— Acho que Louie só precisava de espaço, foi difícil para ele falar comigo — contou Naomi, suspirando levemente. Ela tinha um olhar acolhedor, os olhos azuis brilhando levemente naquele tom celestial. — Sabe como ele é tímido, aja com naturalidade sobre isso — pediu a loira.

Rafael assentiu, ainda sem saber o que dizer. Todas as mudanças pareceram fazer sentido. As roupas mais largas, os bonés e o cabelo preso. Naomi deixava que ele escolhesse as próprias roupas desde muito cedo, o estilo dele nunca fora um problema, apesar de outros estranharem roupas tão diferentes do usual quando ele era criança.

Na manhã seguinte, fez como Naomi sugeriu. Não fez perguntas e nem nada, apenas tratou Louie no masculino como se fosse assim desde sempre.


Aquele tinha sido o café mais surreal da vida de Louie. Não num sentido ruim, mas bom, muito bom. Todos lhe tratavam no masculino, seu pai não agira de forma estranha e nem fizera perguntas constrangedoras. Sabia que ele tinha muitas perguntas, que precisariam conversar sobre isso, mas só estava grato por ter espaço, pelos pais respeitarem seu tempo. Até mesmo Kathy, sua irmã tão pequena, tão criança, estava lhe chamando pelos pronomes certos. Aquilo aqueceu seu coração.

No geral, Louie achava difícil falar com os outros. Havia lido algo sobre ansiedade social na internet, Louie lidava com isso a vida inteira. Odiava ser o centro das atenções, por isso fora tão difícil conversar com a mãe. Preferia ficar invisível num canto, apenas vivendo a própria vida, sem interferir na vida de outros.

Ficaria escondido no quarto para sempre, se fosse possível. Lá era seu lugar seguro, um lugar onde podia ser quem quisesse, pensar no que quisesse, simplesmente ser.

Mas é claro que precisava contar aos pais que eles não lhe viam da maneira certa, então tomou coragem e, num fôlego só, contou tudo para a mãe. Ela sorriu, lhe abraçou, depois começou a lhe chamar da maneira correta. Aquilo foi incrível.

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