O daimyô de Hoto enviou seus samurai em uma busca. Há semanas, um assassino tem atacado mulheres e crianças na região de Chiba. Muitos culpam os navegadores por trazerem esta aberração para suas terras. Os mais velhos culpam os jovens por quebrarem os costumes e irritarem os demônios. O daimyô culpa as famílias inimigas que brigam por aquelas terras. Seja o que for, seus samurai o matarão.
À beira de um dos rios criados pela neve, estava deitada uma menina. Kamimura segura seus companheiros que corriam para socorrê-la. Olham-na de longe. Examinam-na. Ela não respirava. Poucos podiam sentir o que Kamimura sentiu no corpo da menina. Kenshin, que aprendeu com pai de Kamimura, sentia apenas uma leve brisa com cheiro de ferro. Jigoro, o arqueiro, que treinara as artes dos monges, sentia um calor negro reconfortante. Não era como um abraço, mas como a falta de um abraço.
Com um sinal de mãos de Kamimura, os samurai formaram dois grupos coesos para se protegerem. O primeiro grupo seguiu em direção à menina. Um dos samurai a examina, enquanto os outros vasculham a área com os olhos. Quando se dá por satisfeito, o samurai sinaliza aos colegas para se unirem de novo.
"Kamimura, ela está branca como a própria neve. Um animal mordeu-a o pescoço."
"Que animal?"
"Difícil dizer. São dois pontos separados, não vejo marca dos outros dentes. Pode ser tanto uma serpente quanto um lobo, mas um lobo teria arrancado um pedaço."
Kamimura examinou o chão. Não havia sinais de animais grandes, e serpentes não existem por lá. Estavam sobre uma trilha de comércio, portanto havia centenas de pegadas de homens, nenhuma com menos de três dias. Não haviam encontrado nada no caminho até ali. Talvez encontrassem no restante do caminho.
Os samurai enrolaram a menina com peças sobressalentes de suas roupas e carregaram-na consigo revezando-se em turnos para não cansarem.
Kamimura é o mais experiente, ele olhou para a Lua crescente cheia no horizonte e impediu seus companheiros de deitarem-se para dormir. "Vamos continuar à noite.", gritou. Os menos experientes entreolharam-se, seria mesmo sábio continuar no escuro? Kamimura respirou o vento gelado da noite, que fez seus músculos acordarem. Ele sabia que a Lua cheia não deixaria o escuro chegar, mesmo assim, preferiu deixar seus jovens companheiros receosos.
"Dizem que esta besta enxerga na mais densa escuridão."
Kamimura olhou para seu grupo esperando que alguém se acusasse por quebrar o silêncio. Ninguém se mexeu. Kamimura feriu-os com o olhar, sentiu o medo perturbando o coração dos jovens. Yoritomo e Yoshitomo sentiam o medo como um frio atravessando o ventre. Perdoou-os e seguiu. Era quase primavera. O gelo das montanhas estava escorrendo, ocupando o som noturno.
Alguns dos homens perguntaram-se baixo se o animal que mordera o pescoço da criança poderia ser um filhote de dragão. De novo, a sabedoria dos mais experientes foi ouvida, e concordaram que um dragão não atacaria uma criança. Não sem um bom motivo. "E se crianças estivessem atacando o ninho? Um dragão tem muito poder para ser preocupar com uma criança.", disse um. "Não, não há ninhos de dragão. Ninguém vê ninhos de dragão há muito tempo", disse outro, "desde que os homens foram morar sobre as montanhas."
Jigoro carregou a menina duas vezes durante a noite. Pedira para carregá-la uma vez. Achou difícil encaixá-la em seus ombros, era como se a menina não quisesse ser levada. Também pôde ver o rosto da menina quando o cobertor improvisado escorregou. Sua pele era lisa, e, apesar do frio da morte e da noite, era branca, não azul. Seus lábios ainda estavam rosados, delicados. A mordida no pescoço deixava-o sedento de sangue. Jurou eliminar seu assassino. Sob protestos dos colegas, Jigoro sussurrou um acalanto na orelha da menina e, mesmo arrepiando seus companheiros, acalmou-se. Pediu para carregá-la uma segunda vez. Dessa vez, carregou-a em seu colo, não em seus ombros. Queria dar-lhe um nome, mas não podia.