Dia de Ação de Graças

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O tempo parecia correr lentamente. O relógio de ponteiros na parede ao alto do auditório tiquetaqueava devagar. Era como se o próprio destino insistisse para que aquilo tudo valesse a pena. Era como se o tempo soubesse que Claire precisava ouvir com mais clareza o que a Profa. Hutson dizia. Entretanto, sua mente não estava focada naquele auditório imenso lotado de alunos. Ela vagava por outros cantos, explorava outros detalhes que passavam despercebidos aos olhos de pessoas tão apressadas como os nova-iorquinos. Claire olhou pela janela de vidro que havia ali e contemplou o céu lá fora. Fazia um dia bonito, embora cinzento. O sol clareava o céu nublado e as árvores estavam cobertas de gelo e neve. O frio não estava tão grande como estivera antes, mas ainda assim podia-se sentir a correnteza do vento gélido tentando penetrar o vidro transparente do auditório. Por incrível que parecesse, ninguém pareceu perceber. Ninguém prestava atenção no barulho do vento contra as janelas de vidro, ninguém prestava atenção no dia que se estendia lá fora. Todos estavam ocupados demais com as suas anotações, tentando passar claramente ao papel tudo o que a Profa. Hutson dizia. Claire não conseguia prestar atenção, nem mesmo se tentasse. De alguma forma, sua mente sempre se voltava para o dia lá fora.
- Srta. Deaxton? Será que poderia me explicar no que se consistia as leis duras que foram implantadas a partir de 1974, mais conhecidas como Three-Strike Law? - Indagou a Profa. Hutson, fazendo com que todo o auditório agora notasse na presença de Claire.
Claire se ajeitou na cadeira em que estava sentada, meio envergonhada pelo fato de estar sendo observada por pelo menos oitenta alunos. Passados uns longos segundos angustiantes, ela finalmente respondeu:
- Essas leis afirmavam que uma pessoa que havia possuído duas ou mais condenações por crimes graves anteriormente, pegariam prisão perpétua. Entretanto, especialmente em Nova York, emendas foram feitas para tornar essas leis menos duras. Um bom exemplo disso é que muitos acusados de envolvimento com drogas são mandados para tratamento, ao invés de irem diretamente para a prisão.

Após responder a pergunta da Profa. Hutson, Claire endireitou-se mais uma vez na cadeira e pegou, pela primeira vez desde que a palestra começara, o seu bloco de anotações, tentando desviar a atenção daqueles que ainda a observavam.

- Bom - respondeu a Profa. Hutson, após examinar Claire com o olhar por alguns segundos. - creio que a sua resposta seja adequada à pergunta antes feita. - E, consultando o relógio, tornou a dizer:
- Acredito que seja esse o fim da palestra, afinal. Espero que todos tenham feito suas devidas anotações e que eu tenha satisfeito a sua sede de conhecimento. Obrigada pela presença, podem se retirar.

- Nossa. Que resposta foi aquela que você deu à Profa. Hutson? - Perguntou Tedd sorrindo após saírem do auditório. Era um garoto comum, possuía cabelos loiros meio bagunçados e olhos cor de mel, com o nariz um pouco arrebitado e a boca um tanto fina demais.
- Algo de errado? Achei que, como ela mesma disse, minha resposta tinha sido adequada à questão. - Claire respondeu com um tom um tanto sarcástico.
- Ah, e como foi! - Tedd soltou uma gargalhada. - Ela provavelmente esperava que você fosse como aquelas meninas do colegial que passam as aulas sonhando com o namoradinho. Mas, você arrasou Deaxton!
- Bem, obrigada Tedd. - Respondeu Claire sorrindo. - Mas tenho que confessar que não ouvi uma única palavra do que ela disse. Tive sorte de ter feito um relatório ontem à noite sobre as leis. Não queria estudar no feriado.
- E quem quer? - Uma garota morena e alta chegou ao lado dos dois, acompanhando-os pela longa caminhada no corredor que levava à porta de saída. - Também fiz o meu relatório antecipadamente, mas confesso que não lembro nadinha. Ainda bem que não foi à mim que ela perguntou! Ah, por falar em feriado, onde vocês vão passar o Dia de Ação de Graças?
- Eu com certeza irei para a casa dos meus pais no Texas. Estou indo para lá hoje à noite. E você, Kim? - Indagou Tedd.
- Vou para Miami. - Ela respondeu após hesitar. - Ah, me desculpe, Claire! Eu sei que prometi! - Kim implorou, passando os braços pelos ombros da amiga, que agora a encarava.
- Não acredito! Minha família toda vem passar o Dia de ação de graças no nosso apartamento e enquanto eu estiver aguentando eles tagarelarem como sempre fazem sobre como eu não sei me virar sozinha e comprar um apartamento só meu, você estará em Miami! - Exaltou Claire.
- Sim, eu sei disso, juro que sei! - Kim parou de andar e segurou nas suas mãos. - Não me julgue mal, mas eu não tenho escolha. Vou para Miami porque meu pai ligou e disse que quer me ver, praticamente implorou para que eu passasse o feriado com ele! Você sabe como eu e ele somos distantes, ele quase nunca me procura! Desculpe, Claire, eu não pude dizer não a ele. - Kim olhou para baixo, como se tivesse acabado de tocar em uma ferida. Ela não gostava de falar sobre o pai porque sempre se lembrava de como ele a abandonara quando tinha apenas quatro anos e em como ele mostrava desinteresse na sua pessoa toda vez que ele a via. O fato dele ter ligado com certeza significara muito para Kim, porque o seu pai nunca se preocupou muito com ela.
- Está tudo bem. - Claire respondeu pegando nas mãos da amiga de volta. - Sério, Kim. Eu entendo as suas razões e acho que você deve ir.
- Obrigada, amiga! - Kim a abraçou rapidamente. - Obrigada por entender, eu sei que prometi que ia te ajudar a aguentar a sua família. Mas você vai superar essa, tenho certeza!
- Eu espero, mas será uma longa noite. - Claire sorriu e parou na porta que indicava o fim do corredor e a saída da universidade. - Você ainda vai fazer as suas malas, certo? Podemos ir juntas para casa se você quiser.
- Na verdade eu... eu já fiz as malas. Desculpe, Claire, mas você sabe como é longe. Vou embarcar de trem, então só devo chegar amanhã!
- Tudo bem, tudo bem. Boa viagem, então. E me ligue quando chegar, ok?
- Pode deixar. - Kim sorriu e abraçou a amiga mais uma vez. - Ei, Tedd. Espero que você se divirta também no feriado. Não fique muito louco, ok? Nós três sabemos muito bem o que você apronta nesses feriados.
- Pode deixar. Você sabe que eu tenho juízo. Quer uma carona até a estação de trem? Eu vou passar por lá antes de pegar as minhas coisas e ir para o aeroporto.
- Não, não, eu estou bem, obrigada. Já chamei um taxi, na verdade. Ah, veja só, acabou de chegar! - Kim exclamou quando o veículo amarelo parou exatamente à sua frente. - Feliz dia de ação de graças, pessoal! - Ela disse enquanto estava entrando no taxi.
- Mas, Kim, o dia de ação de graças é só amanhã. - Lembrou-a Claire.
- Ah, eu sei! Mas... É sempre bom se adiantar, não é? Caso eu esqueça. Não que eu fosse me esquecer de vocês. Nunca, eu só... Bem, o motorista precisa ir andando, então acho que é isso. Feliz dia de ação de graças! - E, com um sorriso no rosto, Kim bateu a porta do taxi e o veículo partiu, em direção à estação de trem.

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